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Diplomata de carreira, dedicado a ponto de sangrar os braços na mesa de negociação – o que ocorreu em 1992, durante a Eco-92, semente do Acordo de Paris –, Rubens Ricupero foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, além de secretário da Unctad, braço da Organização das Nações Unidas para comércio e desenvolvimento. Os mais antigos lembram da frase inconveniente – "o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde" – que lhe custou o cargo quando declarações ainda provocavam escândalo. Ricupero diz entender os motivos que levaram ao apoio empresarial e do mercado ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro, mas na fala do capitão reformado e nas contradições de sua equipe, vê motivos para preocupação.
Qual sua expectativa para a economia depois da eleição?
Essas eleições não vão fornecer saída para a crise brasileira. Pelo contrário, vai entrar em novo patamar. Antes, esperava-se que fosse oferecida uma boa solução. Esgotada as eleições, vamos ter a mesma crise, com uma esperança a menos. Essa avaliação é feita com base em análise puramente racional do candidato favorito, do que declara e das pessoas que estão em torno dele. O candidato se apresenta como antissistema. De todos os fatores que explicam o que acontece no Brasil hoje, o principal é o descrédito do sistema político como resultado de três anos de revelações da Operação Lava-Jato. A culpa não é da Lava-Jato, mas do sistema político, que não foi capaz de se autorreformar. Ficou na defensiva, esperando que passasse. A prova de que é contra o sistema, é que todos foram derrotados, não só o PT. É óbvio que o PT sofreu, mas (Geraldo) Alckmin também era sistema e perdeu. O candidato se apresenta como antissistema, mas é deputado há 27 anos, está negociando apoio dos Democratas, examinando indicações partidárias para ministério. Não é diferente do que todos os candidatos fizeram a vida toda.
Qual sua impressão sobre Bolsonaro?
É um homem que pertence ao sistema, mas, segundo a opinião geral, nunca se distinguiu no Congresso. Eu era ministro da Fazenda em 1994, quando lançamos o Real. Edmar Bacha, que era meu braço direito no Congresso, lembrou outro dia que nossa expectativa era ganhar de 10 a zero na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados. Ganhamos de nove a um, sabe de quem foi o voto contrário ao Real? De Jair Bolsonaro. Nunca foi administrador, não foi prefeito, governador, ministro. E como parlamentar, teve essa atitude. Não se pode esperar muito, salvo um milagre, de que um homem com mais de 60 anos se elege e revela que há um gênio escondido. Fora dessa hipótese, não se pode esperar muito. Não se sabe muito dele, e o que se sabe não é bom. Fala em regime militar, tortura, todos esses absurdos. As pessoas dizem que tem um grupo ao redor dele que vai ser muito bom. Quem é o grupo? De um lado, um pequeno número de oficiais da reserva do Exército. Que experiência tem? Um foi comandante da força de paz no Haiti. Outros tiveram carreira puramente no Exército. Não há nenhum Golbery do Couto e Silva, grande cabeça, capaz de discutir com políticos.
E Paulo Guedes?
Teve sucesso na iniciativa privada, mas não tem experiência de economia pública, nunca esteve no governo. Ao contrário de Maílson e de mim mesmo, não sabe que 93% das despesas do governo são obrigatórias, o que sobra é muito pouco. Para fazer algo é preciso ter mudança na Constituição, ter bancada grande.
Pela lógica, de onde pode vir alguma esperança?
É difícil. Em termos puramente racionais, não há ideias ou personalidades que se destaquem, é um grupo de qualidades muito secundárias. E vai herdar uma situação muito difícil. O problema agora não é como havia na época da inflação, que está relativamente controlada. O problema são as contas públicas, o déficit chamado nominal, que inclui as despesas financeiras com juros, está em 7,5% do PIB, uma cifra gigantesca. Como a maior parte das despesas é obrigatória, mesmo cortasse todas as possíveis, que são só 7%, não seria suficiente. Para cortar mais, teria de paralisar o governo. Tem de atacar despesas obrigatórias, que envolvem Previdência Social, abono salarial, seguro desemprego. Até agora, não disseram uma palavra sobre isso. As informações que vem da equipe são muito contraditórias.
Como vê a tese de que essa seria uma tática militar?
Vejo como desculpa para falta de ideias. Quando você está muito confuso, diz que a confusão é proposital. Eles estão bastante perdidos. Depois da eleição, temo que haja desapontamento muito forte. As pessoas se deixaram levar pelo entusiasmo, passaram a acreditar em solução mágica. Essa boa vontade, esse entusiasmo, não vai durar mais do que seis meses. Na situação em que o Brasil está, o primeiro requisito a se esperar de um presidente eleito é a capacidade de unificar, pacificar o país. É difícil de esperar isso dele. O último discurso, na Avenida Paulista, foi espantoso. Mesmo que esteja falando para seu grupo, é assustador. Depois daquilo, é difícil que um homem como esse consiga unir o país. Espero estar errado, gostaria que estivesse errado e vejamos um governo muito capaz e disposto a tomar as medidas necessárias. Mas até Fernando Henrique (Cardoso), que estava armado das melhores intenções, não conseguiu aproveitar o período inicial, quando foi eleito, para aprovar o que precisava. Entendo que as pessoas, diante do inevitável, tenham a necessidade psicológica de se agarrar à ideia de que ele vai ser um presidente normal, que não vai haver nada de extraordinário. Não vejo racionalidade nessa esperança, dada a personalidade do candidato e dos que estão em torno dele.
A despeito disso, tem apoio maciço dos empresários. Qual a explicação?
A primeira, acredito que devido à presença de Guedes, da imagem de ser um governo liberal, pró-mercado. Ainda precisamos ver. No grupo, as opiniões são contraditórias. Muitas estatais, o candidato diz que não privatizaria. Os militares são nacionalistas. O governo deve fazer algo, mas muito temperado por essas atitudes. Em abertura comercial e desregulamentação, não vejo muita perspectiva. Se fala em abertura unilateral (redução de tarifas de importação sem exigir contrapartida), que não é boa ideia. O Brasil está pouco competitivo. Não sei de onde tiram que ele é a encarnação da postura pró-mercado. Outro motivo é a esperança de que Bolsonaro vai manter a reforma trabalhista. Desse ponto de vista, seria uma continuação do governo Temer. O maior desafio que temos não está nessa área, está nas contas públicas e os próprios empresários não estão vendo.
Surgiram reações empresariais a propostas?
Certas propostas, como as da área ambiental, vão isolar muito o Brasil e nos criar problemas comerciais. Mesmo tendo voltado atrás, para manter o Ministério do Meio Ambiente, disse que nomear alguém que dê licença imediata. A função do ministério é analisar empreendimentos para ver impacto ambiental. Não pode ser um balcão só para carimbar. Se caminharem por esse rumo, agravando o desmatamento, vai despertar represálias contra o Brasil. Vão dizer que o Brasil é um país predador do meio ambiente, tem competitividade porque destrói a floresta.
Muitos empresários avaliam que ao ser eleito, haverá moderação no discurso.
Também diziam isso de (Donald) Trump. E ele está fazendo tudo o que disse que iria fazer. Hoje, não só para o comércio, para atrair investimento, qualquer país precisa ter imagem positiva no Exterior. Antes de ser eleito, ele já tem uma imagem terrível. Grandes jornais e revistas publicaram artigos advertindo que vai ser uma catástrofe, o "who's who" da imprensa mundial. Não há um grande veículo internacional que não tenha destacado isso. Aliás, muito mais que a imprensa no Brasil. É resultado das bobagens que diz sobre direitos humanos, ambiente, promoção da igualdade de gêneros e tolerância à diversidade. Isso é o que cria a imagem de pessoas e países. Como vai melhorar essa imagem dizendo que vai fuzilar opositores? Tenho muito receio que isole muito o Brasil. Ele tem opiniões absurdas, como a de mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Trump fez isso, mas ele vive em um país em que o lobby judaico decide eleições, tem aliança com Israel contra o Irã. Se o Brasil seguir, terá contra si todos os árabes. E vendemos US$ 6 bilhões por ano de frango e carne aos arábes. Qual a lógica desse enfrentamento? Empresários vão sofrer na própria pele. Vão se dar conta de que isso pode fechar mercados. O Brasil não está sozinho, tem muitos concorrentes. Os Estados Unidos são o maior produtor de soja do mundo, produzem 300 milhões de toneladas de milho. Outros são Argentina, Paraguai, que podem usar contra nós essas tendências de Bolsonaro.
Fazem sentido as frequentes comparações com Trump, Collor e Dunterte (presidente da Indonésia)?
Tem um ou outro traço semelhante. No caso de Dunterte, o lado mais truculento em retaliação ao crime. No caso de Trump, as ideias sobre a nova ordem mundial, as críticas à China. No próximo ano, o Brasil vai assumir a presidência dos Brics (associação que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Imagina a saia-justa. Ele tem certa semelhança com esses personagens todos, mas nenhum faz apologia da ditadura militar ou da tortura. Porque nesses países não houve isso, ninguém pode dizer que ele é incorente. Ele é mais um representante do baixo clero da ditadura militar. Não o critico pessoalmente, porque não o conheço. É preciso criticar posições, declarações, ideias. Os empresários têm razão no sentido de que o eleitorado brasileiro está contra o sistema atual. É uma mudança radical, mas que só virá por meio da lei. O que o Bolsonaro poderia fazer é aproveitar o apoio que tem, se ganhar a eleição como tudo indica, para propor uma reforma política radical. Por exemplo, cláusula de barreira que elimine o grande número de pequenos partidos, voto distrital misto, controle dos gastos de campanha, o decálogo de medidas dos procuradores da Lava-Jato. Ele diz que apoia, mas não fala como. Teria de usar a força do voto para dizer: 'o povo brasileiro quer que o sistema mude', mas a mudança tem de ser pela lei, pelo Congresso.