Pode ser o recolhimento forçado, pode ser a necessidade de encontrar um jeito de falar das coisas mais sutis no meio do horror bozozoico, pode ser coincidência. O fato objetivo é uma profusão de ótimos livros de poesia de gente ao nosso redor. Fazendo bonito, fazendo beleza. Sirva-se.
Tatiana Cruz estreia com Na Minha Casa Há um Leão (Zouk), o mais belo de todos, no sentido gráfico. A autora faz colagens também, e o livro aproveita para botar para conversar os poemas, de dicção feminina reivindicada de peito aberto, com imagens, num conjunto que se organiza em torno da planta de uma casa — as seções são Soleira da porta, Estar, Cozinha, etc. Um livro com calor de sol aberto.
Márcia Barbosa, em No Faro das Migalhas (editora Class), tem dicção bem diversa: soturna, em poemas de verso longo e temperamento meditativo, com atenção aguda para a brutalidade cotidiana — “mas o que faz um pescoço debaixo do joelho de um policial?”. No conjunto, há um quê narrativo que compõe muito bem com o tom lírico da autora.
Nora Prado, em Alma das Flores (também da Class), tem outro rumo. Lendo-a, a gente vê um lirismo otimista, lembrando Cecília Meireles e Lara de Lemos.
Vitor Biasoli, em Paisagem Marinha (editora Memorabilia, de Santa Maria), tem outra voz. Poeta experimentado, talvez por identificação com os poetas do grupo Quixote, que estudou, e mais genericamente com um jeito Neruda de ser, ele traz um tanto daquela voz declarativa, de vez em quando solene, que investe nas imagens e nas associações abruptas entre objeto e sujeito.
Mais cancheiro ainda é Ricardo Silvestrin, que apresenta Carta Aberta ao Demônio (Libretos). Em projeto gráfico vigoroso, com páginas a propósito vermelhas e ilustrações de Leo Silvestrin, o livro ajuda a desabafar contra esses seres ínferos que andam no centro da cena em nossos dias.
O mais tocante, para mim, é Marcelo Martins Silva com A Matéria Inacabada das Coisas (editora Diadorim). Parte do motivo está no modo como a condição negra é abordada — de peito aberto, mas sem apelo trivial —, mas outra parte é a força e a qualidade com que a cidade é revista e incorporada ao horizonte do livro. Uma cidade visitada como quem anda pela calçada e quer encontrar gente, essa que descrê em deuses mas quer entender para que tudo isso.