Me sinto meio boçal ao contar coisas pessoais aqui. Mas talvez tenha algum sentido para além de conter memórias minhas o que vou relatar. Espero.
Estou encerrando daqui a uma semana uma estada de um semestre aqui nos Estados Unidos, na sensacional universidade de Princeton. Não conhecia a terra do tio Sam – isto é, conhecia como alguém do nosso tempo, que por simplesmente respirar no Ocidente conhece muita coisa do país sem precisar estar aqui. Muito bang-bang eu vi, num processo de educação sentimental fortíssimo e invisível.
Preciso explicar que esse termo designava um volume infinito de filmes e séries que tematizavam, como o nome sugere, a conquista do Oeste a poder de tiros. Quem conquistava o Oeste? Os brancos do Leste, os pioneiros e o exército, num processo que se consolidou no último terço do século 19 e veio firme até a Primeira Guerra Mundial.
O ponto é: a quem era conquistado o Oeste? Quem perdeu? Os nativos, os indígenas. Quem é da minha geração ouviu milhares de vezes os nomes Comanche, Cherokee, Sioux. Eram os inimigos, a não ser que aceitassem a chegada dos brancos. Eu mesmo, criança, dei tiros imaginários em muitos nativos. Sim, também tive um brinquedo chamado Forte Apache (outro nome indígena frequente).
Na derradeira viagem interna que fizemos, neste fim de semana, fomos a Washington DC, a capital Imperial, com avenidas e prédios que lembram a monumentalidade da antiga Berlim oriental ou de Brasília.
Lá visitamos, com certa minúcia, dois museus. O nome completo de um é, traduzido, Museu Nacional de Cultura e História Afro-Americana, muito impressionante, com um viés pedagógico forte, com uma visão contemporânea dos aspectos históricos do processo. (A parte de cultura eu achei meio frustrante, dado o imenso, infinito poder da cultura produzida por afro-americanos, em todos os campos possíveis.)
O outro se chama, cito em inglês porque tem uma disputa de nomes, National Museum of the American Indian – hoje a preferência vai, como no Brasil, para “indígenas” e não “índios”, ou então, aqui, para “native nations”, nações nativas. Impressionante, com toda uma paisagem envolvida, que começa nos canteiros externos, já trazendo plantas e estratégias nativas.
Também pedagógico, este museu oferece, ao lado de um sentido de reparação histórica, um traço comparativo, sempre: menciona um evento, um tratado, um massacre, e os painéis de texto oferecem a visão branca ao lado da indígena, evidenciando o que precisa ser evidenciado – da pura hipocrisia à disputa política complexa. Uma lição, que o Brasil deveria aprender.