Fui ver o Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, que está na disputa do Oscar e outros certames. Tive a péssima ideia de ler antes uma crítica e um resenha, ambas na Folha de S.Paulo. E as duas alertavam para uma certa glamorização do nazismo. Que o diretor vinha da publicidade e do videoclipe e, logo, tinha dourado a pílula.
A história tem no centro um oficial nazista, pessoa que realmente existiu, um Rudolf Höss, administrador de um campo de extermínio que morava, com a família, numa linda casa burguesa exatamente do outro lado do muro — ali estavam os judeus indo para a morte impiedosa, aqui estavam ele, sua esposa, os filhos e uns quantos serviçais.
A primeira coisa que devo dizer é que as duas críticas estão redondamente erradas. O argumento de que ao evitar cenas explícitas dos que iam morrer, como tantas vezes vimos nas telas, teria o diretor sido brando com o nazismo não fica de pé. Mesmo em cenas idílicas da família burguesa (piscina no pátio, crianças saindo pra escola, pequenos luxos domésticos), sobrepaira algum mal-estar, a lembrar que nada estava bem logo ali ao lado. Para nem falar de momentos decisivos que não conto para não cortar o barato de quem quiser conferir o filme, que vale muito a pena.
E tem outro mérito narrativo, que eu, já velho, nunca tinha visto tão claramente em narrativas sobre o nazismo: a esposa desse Höss dá a ver que ao casar ascendeu socialmente, e que não aceita descer desse patamar alcançado. A mãe dela vai visitar os netos e ficamos sabendo que antes da ascensão de Hitler ela era doméstica na casa de uma família judia. Adiante, quando Höss é transferido para assumir um cargo mais alto ainda na hierarquia da morte, a esposa se recusa a sair daquela bela casa: que o marido vá sozinho, porque ela não sairá de lá nem arrastada.
Nessa esposa aparece o forte traço de ressentimento social. Ressentimento que é caldo de cultura para outros autoritarismos, aqui mesmo em nosso país. Se o prezado leitor se interessar, na revista Piauí deste mês há um ótimo ensaio de César Zucco e outros, “O ressentimento é real”, que demonstra, com dados de pesquisa empírica, o nexo entre ressentimento social (por exemplo, a percepção de que “outros estão ganhando mais que eu”) e viés autoritário (só um governo forte vai acabar com “essa farra”). O senhor já viu isso ao vivo? Anda por toda parte.