É um luxo ter para onde voltar. Eu voltei para a minha cidade, depois de meio ano fora, trabalhando e aprendendo. Voltei para casa, para os livros, para a redondeza, para a paisagem, para o calor. Para o conhecido, que é aquele estilo que prescinde de consciência: eu sei como é, eu sei onde é; sei como se vai, como se vem. Não quer dizer que este lugar aqui seja melhor, aliás em muitos sentidos não é; mas é o meu canto neste mundo.
Volto e repasso a leitura de Regressos, novo livro de poesia de Leonardo Antunes (editora Martelo, de Goiânia). O autor eu conheço, é colega, professor no mesmo lugar em que trabalho há (puxa vida) 40 anos, desde exatamente 1984 – e ele mal completou 40 anos de vida. É gente muito boa, é professor de Grego, o clássico, é tradutor com feitos impressionantes, como uma versão inteira e nova da Ilíada, em decassílabos duplos (pela editora Zouk, 2022). E é poeta.
Neste conjunto com nome tão adequado para o momento que estou vivendo há joias que valem a visita, não uma mas muitas vezes. Começa pelo negativo: é um livro de poesia que não blasfema contra o tédio, nem lamenta a falta de força das palavras para dizer coisas relevantes, nem esconde a alma atrás de alguma persona niilista ou militante da obscuridade, nem anda espalhando letras, sílabas e diacríticos pelos cantos da página para sugerir alguma vanguarda.
É uma poesia cheia de vida vivida. Tem, por exemplo, toda uma seção de homenagem a figuras da família, a cuja leitura o leitor vai logo tirando dos bolsos suas próprias memórias. Tem um poema autoirônico envolvendo o próprio nome do autor — ele se chama Carlos Leonardo, um daqueles nomes compostos que podem trazer embaraços. Tem poemas sobre a circunstância de ele estar vivendo por aqui, longe da sua São Paulo natal.
E tem um poema em especial que me fez vibrar muito. Ele não cabe aqui na página, o que é uma pena e um chamado: vá conhecer “o caixa do mercado”, prezado leitor, assim que for possível. Um daqueles encontros fortuitos e triviais aos quais apenas os grandes corações e os talentos superiores, como é o caso do Leo, prestam a devida atenção.
O caixa que se despede com um “breve meneio, vagaroso e singelo”, com que responde à semelhança que também notara no cliente que passava, que calhava de ser o poeta observador e profundamente humano.