Faz apenas 10 anos que Luiz Ruffato proferiu um bombástico discurso, na abertura da Feira de Frankfurt que homenageava o Brasil. Dez anos apenas.
2013: o Brasil vinha de uma sequência de dois governos Fernando Henrique Cardoso (FHC), dois Lula e um Dilma, quer dizer, um processo longo, coroamento da luta contra a ditadura, com redemocratização de alto a baixo. Foi um tempo em que o Brasil virou paradigma internacional de país que saía do buraco para lançar-se como “player” internacional, relevante nas conversas multilaterais e, acredite o incrédulo leitor e a cética leitora, se transformou num destino relevante para toda uma geração, que via em nós um destino de futuro.
Vivi cenas assim ao vivo. Em 2015, numa pracinha parisiense, um casal nos ouviu falar português brasileiro e veio indagar que dicas teríamos para eles, que estavam encerrando atividades na capital francesa para mudar-se para o Brasil, onde abririam um restaurante. Planejavam passar dois meses viajando pelo país até decidir em que cidade iam investir.
Mas também em 2013, junho, não vamos esquecer do arrastão, do tsunami que foram as chamadas Jornadas, aquela massa de gente nas ruas, em múltiplas e fragmentadas passeatas, um tanto anômalas e tantas vezes acabando em porradaria, replicando ao ar livre o que a gente passava a viver na rotina das redes sociais.
Ruffato, um dos expoentes da geração que ali estava em sua maturidade, hoje pode parecer (erradamente) uma velharia, com sua literatura inventiva, crítica, angulada pela vida dos proletários mas não conectada com nenhuma das vertentes identitárias que agora dão o tom do debate público. Homem branco, de ascendência europeia, cisgênero, seu discurso foi, porém, a vocalização das dívidas em aberto para com o passado escravagista e o genocídio indígena.
Um bom artigo de balanço, de Vinícius Dolgener e outros, para a revista Opiniães, da USP, em 2018, traz números do grupo de 70 escritores brasileiros convidados oficialmente para a feira: mostra faixa etária (eram 36 acima de 60 anos, mais de metade), região de origem (53 de São Paulo, coisa pouca, uns 75%), sexo (48 homens, 22 mulheres – 68% a 32%, proporção hoje inimaginável), número de livros publicados e profissão.
Quanto a etnia, que hoje voltou a ser chamada de raça (designação que a minha geração havia aprendido a rejeitar, porque raça só havia uma, a humana – uma visão biológica hoje abandonada em favor do sentido político da luta antirracista), apenas dois dos 70 eram negros, Ferréz e Paulo Lins, e um solitário indígena, Daniel Munduruku.
Apenas 10 anos atrás! Dá para imaginar o que seria hoje conceber uma lista de 70 escritores para um evento assim?