Nesta segunda-feira (3), completaram-se 14 anos da morte do meu irmão, Sérgio, vulgo Prego, que também era meu colega de profissão. Na quarta-feira (5), meu pai, Bruno, completa seus 89 anos, também ele professor, também de língua materna (e de Latim, ele). Não é só por aí que se explica uma certa melancolia que me tomou por estes dias.
Para além disso e do mais de ano em isolamento, sem abraçar os amigos e parentes, sem brincar abertamente com as crianças da família — a Lia vai completar um ano daqui a pouco, e eu ainda não a peguei no colo! —, sem sair para encontrar qualquer um que interessasse a qualquer momento, para além disso tudo tem um livro, que ainda estou lendo mas que desde já recomendo vivamente: Celso Furtado — Correspondência Intelectual — 1949-2004 (Cia. das Letras).
Do autor, li o sempre vivo Formação Econômica do Brasil, além de uns quantos artigos e de sua obra de memória, espalhada em três volumes de leitura fácil (como escrevia bem!) e instrutiva. E agora essa beleza, umas 300 cartas, mandadas e recebidas, selecionadas de um acervo de mais de 15 mil cartas. Em papel.
Furtado foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros de sua geração, que é também a de Antonio Candido, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Paulo Freire e do nosso Ernani Maria Fiori. Nascido em 1920, fez um raro doutorado em Paris no pós-Segunda Guerra e de lá voltou para ajudar na invenção do Brasil moderno — sua parte era o planejamento estratégico, que pensava o país muitas gerações adiante. Foi cassado na primeira lista do golpe de 64, junto com tanta gente boa que foi sacrificada por uma ditadura que, além de tudo o mais, sacrificou o futuro democrático numa sociedade menos desigual, que estava sendo gestado naqueles anos.
A conversa escrita de Furtado com uma série ampla de interlocutores, nacionais e internacionais, que se pode ler no volume organizado por Rosa Freire D’Aguiar, dá notícia da brutalidade e da truculência, mas também dos sonhos e da vontade de fazer o Brasil abandonar sua condição subordinada para ganhar estatura maior, para propor-se um destino altivo.
Após 20 anos fora, lecionando a maior parte do tempo nos mais prestigiosos cursos de Economia na França, nos EUA e noutras partes, sempre com foco no desenvolvimento do Brasil e da América Latina, Celso Furtado teve a humildade de aceitar o Ministério da Cultura, na floração da Nova República. Esta república que o atual presidente quer enterrar, para nos devolver a uma condição de meros exportadores de commodities primárias, ao custo do nosso futuro, que vai sendo destruído sistematicamente, da ecologia à nossa íntima esperança. E com o aplauso de gente que, bá, não sei como pode se olhar no espelho.