Completou 150 anos a Biblioteca Pública do Estado, que fica em Porto Alegre, esquina da Riachuelo com a rua da Ladeira, que se chama oficialmente de General Câmara. O prédio em si, essa joia da visão positivista com aqueles 10 bustos dos supostos mais importantes vultos da história (sem mulheres, como naquele tempo se considerava), é mais jovem, foi concluído em 1922, quer dizer, fará cem anos em seguida.
Não alinho com os que pensam que seja uma saída correta derrubar monumentos que expressam os preconceitos, as arbitrariedades, os horrores, enfim as concepções de mundo do passado. Não faria sentido, por exemplo, destruir os prédios das igrejas, que em outro tempo perpetraram ou coonestaram arbitrariedades. A mesma coisa vale para quaisquer monumentos, a meu ver. No caso concreto, não caberia destituir os bustos do Positivismo, na fachada da Biblioteca ou logo ali acima, no monumento a Júlio de Castilhos.
A história humana deve ser um âmbito em que todas as camadas da experiência tenham lugar, sempre submetidas ao debate público. Caso contrário deveríamos validar o horror feito pelo Talibã no Iraque, a partir de 2015, botando abaixo monumentos milenares. Se for para fazer justiça a outros eventos do passado, que se façam novos monumentos, por exemplo nas pedras pisadas dos cais em que puseram o pé, pela primeira vez em solo local, os escravizados.
Esses dias se completaram 60 anos do Atelier Livre da prefeitura. A Ospa tem mais de 70 anos. O Instituto Estadual do Livro tem mais de 60, como a Feira do Livro de Porto Alegre. São instituições de natureza política e jurídica diversa, umas puramente estatais, outras nascidas no âmbito privado e estatizadas, outras desde sempre da sociedade e do mercado.
O que interessa aqui é que são instituições que moldam a vida pública, a vida coletiva. São — devem ser — compreendidas como pertencendo a todos os cidadãos. Entre os direitos humanos está o acesso à cidade, que é uma história coletiva. Quem trabalha nesses lugares é responsável por todos nós, em um grau de infinita importância, ainda que muita gente nem os conheça. Dar-se a conhecer, aliás, é um dos mandamentos dessas instituições.
Falei em "milenares" ali acima, e voltamos aos nossos bravos 150 anos da Biblioteca. Assim é: essa disparidade faz parte também da história, e nela ganha sentido. Longa vida à Biblioteca, ao Atelier Livre e às outras instituições culturais!