Por José Francisco Alves
Professor do Atelier Livre, bacharel em Escultura, doutor em História da Arte
Neste sábado, 10 de abril, registra-se uma importante efeméride cultural: os 60 anos do Atelier Livre de Porto Alegre. Data que considero como tal em função do dia de nomeação do primeiro responsável pelo Atelier, o escultor Xico Stockinger, em 1961. Um ato administrativo como fundacional da intenção política que se mostrou histórica, na gestão do prefeito Loureiro da Silva. Em 2012, por lei municipal, a instituição passou a chamar-se Atelier Livre Xico Stockinger.
A fundação do Atelier deu-se como resultado de contundentes críticas culturais na cidade, em outubro e novembro de 1960, pelo mais importante artista gaúcho, Iberê Camargo. A sua dura opinião obteve aceitação e desdobramentos por parte do Secretário de Educação, Carlos de Britto Velho, e de sua chefe de Seção Cultural, Istelita Knewitz. Assim, a prefeitura organizou os Encontros com Iberê Camargo, embrião que demandou uma continuidade – o Atelier Livre. Para colocar em prática o desafio, em março e abril de 1961, a tarefa coube a Xico Stockinger e Carlos Scarinci.
E foi uma história que seguiu firme e reconhecida. Nos 30 anos do Atelier, em 1991, houve uma extraordinária comemoração, com exposições memoráveis e publicação de livro, com depoimentos, iconografia e textos críticos. O que se seguiu dali em diante, até o fim daquela década, foi uma época de crescente investimento público no Atelier e, incluso, a concretização de política pública inovadora, com a efetivação da lei de 1989 que propiciou ao Atelier a eleição de sua própria direção (processo interrompido na gestão do secretário de cultura Luciano Alabarse, a partir de 2017).
Na sequência dos investimentos, realizou-se em 1994 o esperado concurso público para professores (Instrutores de Arte). Nessa perspectiva, tudo conspirava para uma continuidade do prestígio do Atelier Livre. Porém, com o novo século, começaram as dificuldades: diminuição das verbas municipais, deterioração dos equipamentos e encolhimento da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Somou-se a isso a aposentaria maciça de professores e a redução de pessoal administrativo, o que acabou por nos legar a situação atual, de mais baixa representatividade da escola.
Nesta atualidade de evidente crise do Atelier, agravada após conflitos recentes com a SMC (a saber, a suspensão, em 2017, do mandato da diretora eleita e a ampla resistência da comunidade à contratualização, em 2020), o desgaste da instituição no marco dos 60 anos não pode ser negado. Claro, essa situação não pode ser creditada ao governo municipal que se inicia, de oposição à gestão anterior. Há de se colocar neste momento de encruzilhada uma oportunidade de reflexão sobre o modelo do Atelier. Avaliar o quanto os rumos internos podem ter contribuído para esse contexto, assim como de que modo colaborou o desinteresse da SMC e o decréscimo acentuado de recursos, infraestrutura e pessoal. É uma história que precisa de análise.
Jane Cravo de Souza, professora do Atelier, foi quem refletiu em 1991 de forma mais assertiva sobre o papel da escola nas suas primeiras três décadas: a fase inicial “arrebatadora, reformista e até mesmo heroica”; uma segunda fase “do fazer artístico” em que o Atelier era uma espécie de “família” que inseriu uma geração notável no sistema de arte, enquanto a sua “sobrevivência”, como instituição “dependeu, fundamentalmente, de seu ‘bom comportamento’ e da ausência” de “críticas ao “regime vigente”; e uma terceira fase, com um Atelier a enfrentar o crescimento, a “heterogeneidade de formação”, o “ingresso de novos professores” e o “aumento de organização burocrático-administrativa”.
Dessa análise ao presente, a idade do Atelier Livre dobrou. Nada menos do que 30 anos se passaram, com experiências bem diferentes, ainda não refletidas e que de certa forma resultaram na negação atual de uma história de grande representatividade cultural e artística, e que hoje configura-se num verdadeiro estado de desânimo. De momento, celebremos as seis décadas que resultaram da visão e persistência de nossos predecessores, responsáveis pela ideia de uma escola pública municipal de arte. Há tantos a agradecer, mas simbolizamos nossos agradecimentos a Iberê Camargo, Xico Stockinger, Carlos Scarinci, Danúbio Gonçalves e Istelita Knewitz.