O artista plástico gaúcho Vitório Gheno, com oito décadas de atividade artística e 95 anos de idade, em plena forma, pinta diariamente. Na próxima segunda-feira (10), às 17h30min, na Galeria Flâneur (Avenida Benjamin Constant, 1.023, bairro São João – Porto Alegre), ele inaugura a mostra intitulada Liberdade. A exposição apresenta cerca de 20 obras recentes, de diversas fases e séries, de óleos sobre tela, aquarelas e estudos.
A curadora (e parceira) Nádia Raupp Meucci diz: “Se alguém me perguntasse qual a palavra que melhor define o Gheno, eu diria liberdade! Sua rota de arte foi sendo desenhada através das décadas, a partir dessa diretiva. Penso serem a sua determinação e, sobremaneira, a sua irreverência que dão forma e cor a sua arte. E o resultado sempre surpreende. Ele reina sozinho. Seu ateliê é local sagrado onde ninguém pode entrar”.
Vitório nasceu Vitorino e com cinco anos já pintava. No início da década de 1950, Gheno conviveu, em Paris, com o grande pintor gaúcho Iberê Camargo (1914-1994). Mais recentemente, lembrando de algumas passagens e fragmentos, Gheno decidiu registrar graficamente as memórias e torná-las públicas, já que quase ninguém sabe dessa época em que compartilharam o cotidiano.
“Este quadro que estou te mandando é de 2014 e só agora torno público. Tenho mais para contar sobre o Iberê. Eu vou criar novas telas para expressar os novos capítulos”, disse o artista em mensagem para o Almanaque Gaúcho, na qual anexou também o seguinte texto:
“Em 1950, eu estava em Paris por minha própria conta. Não ganhei bolsa de ninguém, ao contrário do Iberê. Moramos no mesmo prédio, em Montparnasse, com o mesmo nome do bairro, ele embaixo e eu em cima do apartamento dele. Naquele tempo, ele já reclamava de tudo. Batia com uma vassoura no teto do apartamento dele para que eu parasse de fazer barulho ao ‘caminhar’ no meu apartamento. Eu tinha que caminhar sem sapato e nas pontas dos pés, para não incomodar o ‘gênio’ embaixo.... (risos). Em Paris, convivíamos com vários artistas franceses e brasileiros. Eu, Vitório, sempre livre. O Iberê, sempre preso dentro dele mesmo e a regras que ele mesmo impunha, na minha opinião, é claro. Era uma época de grande efervescência do pós-guerra. Grandes mestres contemporâneos da época trocando ideias sobre Picasso e suas criações pictóricas, e Antonio Bandeira (muito meu amigo, pintor brasileiro nascido em Fortaleza, no Ceará, em 1922, e que já vivia em Paris naquela época e morreu lá mesmo, muito jovem, em 1967, com 45 anos somente) falava sobre o grande Jackson Pollock, que pintava seus grandes quadros com telas esticadas no chão, onde ele dizia que podia mover-se em torno de toda a tela com liberdade e pintar os quatro cantos da tela (?) e, inclusive, subir sobre a tela e andar sobre ela. Vejo, neste momento, que Pollock influenciou vários pintores contemporâneos nos quatro cantos do mundo, inclusive o meu amigo Iberê, que, no meu entendimento, foi influenciado largamente pela arte do Pollock. Basta ver a tela de Iberê Núcleo em Expansão, com espessas camadas de tinta, criando e modelando com superposições... em 1965. Iberê foi talentoso em sua obra. Entretanto, seus desenhos e estudos espontâneos são inestimáveis. Lembro-me de uma passagem que vale a pena contar e que a maioria não conhece, até pelo fato de nunca terem me entrevistado sobre o Iberê. Um dia, não achávamos o Iberê em Paris. Eu disse que ele deveria estar no Louvre, onde sempre ia observar. Resolvi ir lá e, procurando o meu colega, deparo com ele sentado na frente do pequeno grande quadro da Mona Lisa. Ele estava diante de sua tela, com suas tintas importadas ao lado, ‘copiando’ a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Nunca me esqueci desta cena porque eu jamais copiaria a Mona Lisa para treinar. Sempre fui muito livre e isto seria uma prisão voluntária para mim. Mas meu amigo, nervoso, fazia isto. São histórias do Iberê que só eu sei. E que pretendo ilustrar com quadros para te mandar também, depois deste dezembro de 2018”.