Os métodos de trabalho pouco convencionais de Jackson Pollock - colocar uma tela não esticada no chão de seu estúdio em Long Island, Nova York, e então derramar, espirrar e literalmente atirar tinta industrial sobre a superfície - fizeram parte deste mito durante muito tempo: uma arte performática executada longe do público.
- No chão eu me sinto mais relaxado - escreveu certa vez - Sinto-me mais próximo, como se fizesse parte da minha pintura, uma vez que posso caminhar ao redor dela, trabalhar dos quatro lados e ficar literalmente dentro da pintura.
Durante sua vida, Pollock foi fotografado criando essas obras seminais, conhecidas como pintura gestual. Seu processo e suas telas foram tão extensivamente estudadas que parecia não haver mais nada que aprender. Contudo, um exame que durou 10 meses e a restauração da obra "One: Number 31, 1950" por especialistas do MoMA produziram novos insights sobre como o artista trabalhava. Os restauradores também revelaram um capítulo misterioso que havia se perdido na história da pintura.
Restaurar a "One" estava na lista de afazeres do museu desde 1998 quando a obra - considerada por muitos uma obra prima do Expressionismo Abstrato - foi destaque de uma retrospectiva. Vista no contexto de outras pinturas do mesmo período, "One" mostra sinais da idade, com a tela amarelada e anos de poeira e sujeira acumulada em suas fendas.
Porém, o trabalho só começou de verdade em julho do ano passado e, quase um ano depois, "One" voltou a seu lugar no quarto andar do museu, consideravelmente mais limpa e com seus restauradores um pouco mais sábios.
O processo começou - assim como a maioria das restaurações - com um espanador de penas. A partir daí, o chefe de restauração James Coddington e a assistente de projetos de restauração Jennifer Hickey começaram a atacar as décadas de sujeira que cobriam a grande pintura, com 2,7 metros de altura e 5,3 de comprimento. Eles utilizaram esponjas, borrachas molhadas e hastes de algodão embebidas em água e em uma solução suave com pH balanceado.
O gestualismo de Pollock é complexo, com composições cheias de texturas e diversas camadas de tinta espirrada e pingada. Em algumas áreas, a tinta aplicada é tão fina que parece apenas uma mancha na tela. Em outras a tinta é mais densa, com cores que se misturam, fazem um ziguezague e sangram. Também há lugares em que a tinta tem uma superfície lisa e brilhante e lugares onde Pollock aplicou uma tinta tão grossa que ela secou como leite coalhado, com uma superfície franzida e enrugada.
Entretanto, quando os restauradores começaram a estudar essas camadas com raios-X e luzes ultravioleta, determinadas porções da tela não lembravam em nada o estilo de pintura de Pollock. A textura era diferente, sugerindo pinceladas repetitivas que não eram vistas em nenhuma outra obra do artista.
Além disso, outro tipo de tinta foi utilizado nessas áreas, uma que - não tinha as características das tintas de parede derramadas que Pollock costumava usar - explicou Coddington. O estilo da pintura, segundo ele, continha um - excesso de detalhes que não tinha nada a ver com a forma como Pollock aplicava a tinta.
Ele e Hickey retiraram amostras microscópicas da tinta de várias partes do quadro. Eles encontraram o tipo de esmalte comum que Pollock costumava utilizar, mas também descobriram uma resina sintética que não sabiam que o artista havia utilizado.
Como ela foi parar ali? Registros mostravam que ninguém no museu havia se encostado à pintura desde que ela havia entrado para a coleção em 1968. Além disso, não havia evidências de que ela havia sido restaurada antes de chegar ao MoMA.
Os funcionários do museu sabiam que "One" havia pertencido a Ben Heller, vendedor de obras de arte e amigo próximo de Pollock. A pintura também havia estado em uma exposição itinerante no início dos anos 1960. Quando eles começaram a pesquisar essa exposição, revelaram evidências cruciais: uma fotografia tirada em 1962 por um estudioso de Portland, no Oregon, revelou que a pintura não tinha nenhuma das marcas questionáveis e nada características que haviam descoberto.
- Isso significa que elas haviam sido incluídas depois de 1962 - afirmou Coddington - E uma vez que Pollock morreu em 1956, essas fotografias confirmavam que elas foram acrescentadas após sua morte. Todavia, ainda não se sabe quem, nem por que alguém as acrescentou.
- Presumimos que elas foram feitas para cobrir algum dano, mas não conhecíamos sua extensão - afirmou. Depois de estudar essas áreas com uma luz ultravioleta, o restaurador viu pequenas rachaduras sobre a superfície da tinta. Presumivelmente, a pintura posterior havia sido uma tentativa de cobrir as rachaduras e tornar a obra mais vendável.
Essa não foi a única surpresa: quando a pintura foi examinada ao lado de especialistas e curadores, tornou-se claro que algumas das gotas marrons no centro e na parte de baixo da pintura não poderiam ter sido pintadas enquanto "One" estivesse no chão - Eram gotas verticais - afirmou Coddington sobre as gotas descendentes de tinta.
Assim que se sentiram confiantes acerca da intenção original de Pollock, Coddington e Hickey removeram cuidadosamente a tinta que havia sido aplicada após a morte de Pollock. Entretanto, eles também fizeram de tudo para preservar certas peculiaridades da pintura, como uma mosca que ainda estava intacta, presa no canto direito, além de pequenas manchas de tinta cor de rosa, que eles acreditam que tenham caído por acidente, uma vez que não há rosa em nenhuma outra parte da composição.
Quando a limpeza ficou pronta e a tinta extra foi removida, o preto e o branco que estavam por baixo surgiram repentinamente como teias de aranha visivelmente mais fortes e finas - parecidas com fios de seda - afirmou Hickey. O mesmo aconteceu com áreas mais pronunciadas, que quase se pareciam com mármore.
Perto do fim da restauração, ainda restava um passo final: o restaurador queria colocar a pintura no chão para - ver o que Pollock viu - explicou Coddington.
No início de uma tarde de maio, três marchands, dois curadores e dois restauradores se reuniram quando a grande pintura foi tirada da parede do estúdio de restauração e colocada gentilmente sobre o chão.
Não apenas a tela parecia menor, com uma escala mais humana, mas Ann Temkin, curadora chefe de pintura e escultura do MoMA, destacava que era possível ver o ritmo criado por Pollock, ao olhar a tela deitada sobre o chão, com áreas sem tinta onde o olhar poderia descansar antes de o artista começar a incluir as camadas de faixas de tinta - Agora que a obra está limpa, o branco e o preto se tornaram muito mais pronunciados - afirmou - Há mais eletricidade.
Só com a tela no chão é que Coddington descobriu o que descreveu como áreas "tostadas", porções mais escuras bem no meio da tela que ainda precisavam de limpeza - Precisamos antes ver como a pintura fica no chão - afirmou - pois é assim que enxergamos as coisas.
Coddington acrescentou - Nosso objetivo é fazer com que a tela se pareça o máximo possível com como ela era logo que deixou o estúdio do artista.