O tempo, esse nosso amigo, esse nosso inimigo. Aliado e adversário. Razão de ser e de deixar de ser. Está aqui e já deixou de estar.
Poucas vezes nós teremos tido uma experiência tão forte de tempo como agora, na pandemia. Tudo parece chapado num eterno agora, agora e mais agora.
(Se ainda não ouviu, convido o leitor e a leitora a dar-se um presente que me foi proporcionado por indicação da Cláudia Laitano aqui mesmo na Zero, uns meses atrás: o podcast Agora, Agora e Mais Agora, de Rui Tavares. Historiador erudito, mas dono de texto fluente e bem-humorado, ele nos conduz por nada menos do que mil anos de história, com um foco preciso: ele retraça seis grandes conjunturas nesse largo período, sempre tendo no centro indivíduos que lutaram pela convivência, pela tolerância, pelo humanismo, em contextos de intensa polarização. Começa com o filósofo Al-Farabi, perto do ano 900, e termina em 1948, com George Orwell e seu romance 1984 e com a Declaração dos Direitos Humanos pela ONU. Não perca. Mesmo.)
Nos primeiros meses da pandemia, lembro de ter ficado mais oprimido ainda pela sensação de paralisia, de congelamento do fluxo dos dias, porque, devo confessar lisamente, foram suspensos os campeonatos de futebol. Me dei conta de quanto e como eu dependia de ouvir, ver, acompanhar os jogos do Inter, que há décadas marcam minha vida entre quartas e domingos. Quando retornaram os jogos, eu vibrei muito, intimamente. (E parece que, melhor ainda, eles não têm representado disseminação significativa do vírus.)
Nesta semana me ocorreu outro marcador da passagem esquisita do tempo. Coisa prosaica e até meio desagradável, mas creio que não faço mal em dizer: me surpreendi ao reclamar, sem palavras e comigo mesmo, que não podia ser que eu já precisasse esvaziar de novo o cestinho de papéis usados no banheiro.
O quê? Mas foi ontem ainda que eu troquei o saquinho!
Não era assim, claro. Faria já uma semana, ou vários dias. Quem garante?
Vou ouvir de novo a história de Al-Farabi para conseguir uma perspectiva de tempo mais ampla.