Um tempo que passa, mas não passa: corre parado. Paisagens congeladas na janela, louças empilhadas na pia, sapatos que não caminham, pessoas próximas que vemos de novo, de novo e mais de novo.
Quando tudo isso tiver passado, vou lembrar que sobrevivi comendo nada além do que aquilo que eu mesma cozinhava – lendo mais livros do que um bibliófilo medieval condenado à prisão perpétua, vendo mais filmes do que um único streaming é capaz de prover e encontrando menos amigos e conhecidos do que seria psicologicamente recomendável em condições normais de saúde pública. Vou lembrar das aulas online, das reuniões virtuais, dos abanos a distância e de um podcast com um título que tem tudo a ver com esses dias em looping que aparentemente estamos começando a deixar para trás: Agora, agora e mais agora.
Produzido pelo jornal português Público e apresentado pelo historiador e político Rui Tavares, Agora, agora e mais agora é uma série sobre história e filosofia que se estende do ano 900 até 1948, data da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Apesar de falar quase o tempo todo sobre o passado, o podcast também reflete sobre temas atuais como fanatismo, polarização e globalização. A ideia é apresentar o “lado B” da História, ou seja, dar destaque para personagens menos conhecidos – como o filósofo muçulmano Al-Farabi (872 - 950), que ajudou a conservar o pensamento de Aristóteles para a posteridade. Figurinhas conhecidas como Dante, Thomas More, Lutero e John Stuart Mill também marcam presença, mas as estrelas do programa são aqueles homens e mulheres que povoam as notas de rodapé dos livros de História.
Recomendo esse podcast para qualquer um que se interesse pela história das ideias, mas também para quem anda meio desanimado com a baixa cotação das causas coletivas e o avassalador retorno do populismo e da mentalidade tribal. Agora, agora e mais agora celebra o poderoso fluxo de ideias que se encadearam ao longo dos séculos para levar adiante princípios como democracia, justiça e liberdade. Entre avanços e recuos, desvios e obstáculos – e uma eterna e feroz contracorrente –, esse “rio subterrâneo” de valores humanistas continua sendo nossa melhor chance de sobrevivência.