A explosão do ônibus espacial Challenger e o acidente nuclear na usina de Chernobyl ocorreram, com alguns meses e quilômetros de distância, no mesmo ano de 1986. Os dois episódios guardam algumas semelhanças, além da vizinhança histórica, e uma delas é o fato de ambos terem virado minisséries recentemente. Chernobyl, exibida entre maio e junho do ano passado, na HBO, recebeu 19 indicações no Emmy e tornou-se uma das grandes produções da televisão mundial dos últimos anos. Menos ambiciosa, mas honesta, a série documental Challenger: O Voo Final, com quatro capítulos, estreou em setembro na Netflix.
Challenger e Chernobyl são, de alguma forma, produtos do mesmo tipo de arrogância. Tanto o projeto espacial americano quanto o investimento em energia nuclear da União Soviética serviam, entre outros propósitos, como exibições públicas de poder e avanço tecnológico. Quando as coisas deram errado – muito errado –, tanto o governo americano quanto o governo soviético tentaram, enquanto foi possível, diminuir o tamanho do vexame.
Na URSS, claro, foi muito mais simples. Sem uma imprensa livre nos calcanhares, o governo não teve qualquer obstáculo para impedir o compartilhamento de informações e dificultar as investigações. No caso da Challenger, demorou bem menos para que a causa técnica e as falhas nos protocolos de segurança da Nasa viessem a público. A minissérie mostra, porém, que tudo poderia ter sido evitado se burocratas encarregados de cumprir cronogramas e gerenciar orçamentos tivessem acatado a opinião dos técnicos que pediam o adiamento do voo por razões de segurança.
O nome mais célebre na comissão que investigou as causas do acidente da Challenger era o do físico Richard Feynman (1918 -1988), Prêmio Nobel de 1965. Oficiais da Nasa alegavam que a chance de falha do ônibus espacial era de aproximadamente 1 em 100 mil. Feynman mostrou que essa probabilidade estava mais próxima de 1 para 100 – e de quebra ainda descobriu que a borracha usada para selar as juntas do jato do foguete falhava em expandir-se quando a temperatura era igual ou inferior a 0°C, o que acabou causando a explosão. Na URSS, não por acaso, foram também os cientistas que ajudaram a desmontar a farsa montada pelo governo soviético.
De um lado, cientistas tentando fazer o seu trabalho.
Do outro, governos que colocam vidas em risco e varrem os próprios erros para baixo do tapete tentando atrapalhar. Se o roteiro de 1986 lembra muito o de 2020, resta torcer para que a velha máxima de Abraham Lincoln continue valendo também: “Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo, e todas as pessoas algumas vezes, mas não pode enganar todas as pessoas o tempo todo”.