Copiadas com hidrocor e coladas com durex na parede do meu quarto, entre cartazes e recortes de revistas, duas frases anunciavam minhas afinidades eletivas a eventuais visitantes e invasores – mais ou menos como posts em um Instagram de concreto, com as vantagens e desvantagens do alcance restrito. Uma delas era de Caetano Veloso: "De perto ninguém é normal" (Vaca Profana, 1984). A outra era de Raul Seixas: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo" (Metamorfose Ambulante, 1973).
A durex perdeu a cola, eu cresci, saí de casa e, puff!, quase 40 anos se passaram. Em melhor forma do que boa parte das minhas paixões de adolescência, aqueles dois versos conseguiram resistir bem ao teste do tempo. A constatação singela de que "de perto ninguém é normal" me ocorre cada vez com mais frequência agora que a noção de "perto" ganhou novas dimensões. (Hoje estamos todos lendo as frases escritas nas paredes dos quartos uns dos outros – o que pode ser motivo de satisfação, mas também de raiva, decepção e susto.)
O grande desafio, para alguém da minha idade, talvez seja continuar acreditando em Raul Seixas. Aos 15, "dizer agora o oposto do que eu disse antes" sugere um pensamento ganhando músculos. Depois dos 50, pode ser sinal tanto de inquietação quanto de inconsistência intelectual. Raul Seixas não chegou lá ("Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou"). Caetano, ainda bem, envelheceu e continua testando as dores e delícias das metamorfoses. Experimentou estilos, errou, acertou, deu opinião, voltou atrás, avançou. Tudo isso em praça pública, sem se poupar e sem perder a relevância como artista (sua live do dia 7 de agosto bateu recorde de audiência no formato).
Em uma entrevista recente ao jornalista Pedro Bial, Caetano contou que um autor o fez mudar de ideia sobre um determinado assunto. Você pode concordar ou não com suas opiniões, mas isso não tem tanta importância. O que é espetacular – e ainda comove aquela menina que recortava frases para fazer girar o mundo mais rápido dentro do seu quarto – é ver alguém, aos 78 anos, admitir que mudou de ideia depois de ler um livro. Um livro.
Pra fora e acima da manada, Caetano Veloso continua em movimento.