Quatro palavras, “inconformado com a separação”, seguidas por outras quatro, “homem mata a mulher”. Uma busca rápida no Google oferece inúmeras variações sobre o mesmo tema. Mudam os cenários, os modelos de relacionamento, as contas bancárias, os pretextos, mas o motor da ação é sempre o mesmo: machismo.
Um caso em particular estabeleceu uma nova forma de abordar o assunto. Em 30 de dezembro de 1976, “inconformado com a separação”, o playboy Doca Street deu quatro tiros no rosto da namorada, a socialite mineira Ângela Diniz, de 32 anos, em uma casa de veraneio na Praia dos Ossos, em Búzios. Bonitos, ricos, liberados, os personagens envolvidos naquela tragédia à beira-mar imediatamente cativaram a atenção do público – as variações do crime podem ser muitas, mas apenas algumas delas rendem boas manchetes.
No verão de 1977 (assim como nos meses e anos seguintes), o assassinato de Ângela Diniz tornou-se uma obsessão nacional. Graças a esse crime, fui apresentada precocemente ao conceito de “legítima defesa da honra”, termo repetido à exaustão por Cid Moreira e Sérgio Chapelin durante o noticiário da noite. Até onde eu conseguia acompanhar a conversa, maridos (mas também namorados e às vezes até mesmo um apaixonado platônico) tinham todo o direito de perder a cabeça quando as mulheres deixavam de agir exatamente como eles gostariam. Foi o que a defesa do criminoso alegou. Em seu primeiro julgamento, em 1979, Doca foi condenado a dois anos de prisão, com sursis, por ter agido “em legítima defesa da honra”. Saiu livre e ovacionado do tribunal. Se você é uma menina de 13 anos, essa é uma lição sobre o mundo dos adultos que não se esquece tão facilmente.
O assassinato de Ângela Diniz é o tema de Praia dos Ossos, excelente podcast em oito capítulos, produzido pela Rádio Novelo (radionovelo.com.br/praiadosossos/), lançado no início do mês.
A ideia é mostrar por que, do crime ao primeiro julgamento, Doca Street passou de réu confesso a herói e vítima do comportamento “dissipado” de Ângela Diniz – e como o movimento feminista conseguiu virar o jogo usando o caso para escancarar o conservadorismo e a violência do Brasil dos anos 1970.
Nascia ali um slogan de quatro palavras não tão popular no Google: “Quem ama não mata”. Outra lição que eu nunca esqueci.