Se tem coisa que estamos aprendendo é a esperar. Gente madura como este escriba, jovem, criançada, todos. Com diferenças naturais: o que é um ano para quem passou dos 60? E o que é o insuportável passar de 365 dias para um jovem?
Faz lembrar a história, talvez ficcional, atribuída a Einstein. Perguntado sobre o que era a relatividade explicada em língua de dia de semana, ele teria dito: é a diferença entre um beijo na pessoa amada por um minuto e um outro minuto em que tu deixes a mão sobre a chapa quente do fogão. (Dois anacronismos. O primeiro: “língua de dia de semana” é uma expressão do tempo em que o domingo era dia especial, todo mundo ia à missa ou ao culto, usava a roupa mais aprumada, e de tarde ia ao cinema para um programa duplo e trocar gibi no intervalo. O segundo: “chapa quente do fogão”. Os fogões de hoje não esquentam chapa, pelo bom motivo de que não há mais chapas.)
Estou lendo O Último Processo de Kafka – A Disputa por um Legado Literário, de Benjamin Balint (tradução Rodrigo Breunig, editora Arquipélago). O livro fala de outras esperas, outras tardanças. O assunto é o material deixado por Franz Kafka (1883-1924) a seu amigo, e também escritor, Max Brod (1884-1968). A história, em seus termos gerais, é bem conhecida: ao morrer, tendo deixado publicada pouca parte de sua obra, Kafka pediu ao amigo que queimasse tudo o que deixava, muita coisa manuscrita.
Pois Brod não apenas não queimou como, para bem da humanidade, deu ao prelo uma boa quantidade de textos, ficcionais e não, em que o brilhante judeu tcheco de língua alemã desfiou sua verve. Depois, como ocorre a todos, Brod morreu, e o material que tinha passou a Esther Hoffe, que havia trabalhado como secretária de Brod. Para qual finalidade? Uns dizem que era para ela repassar a uma instituição cultural israelense ao morrer, mas as filhas de Esther dizem que era uma herança.
O livro é uma ótima reportagem sobre esse imbróglio, que agora está judicializado, com muitas partes interessadas. Para dar apenas uma dimensão da coisa: Brod tinha ganho manuscritos de Kafka em vida, como lembrança de amizade, e depois recebeu muito mais para queimar, quando morreu o gênio. Bem: o que ele deveria inutilizar para atender ao amigo? Tudo? Apenas a segunda parte? E agora, quem tem maior direito ao espólio, que vale milhões: os herdeiros de Hoffe? A Biblioteca Nacional de Israel? Um fundo alemão que guarda e disponibiliza acervos de escritores de língua alemã? O público ou o privado? Qual público?