Saiu agora um excelente livro, Noll aos Pedaços, biografia de João Gilberto Noll escrita por Flávio Ilha (editora Diadorim). O Flávio é um dos mais qualificados jornalistas de sua geração. Nunca teve dedicação específica ao campo artístico ou à literatura, o que talvez seja uma vantagem relativa, para produzir este livro.
Aqui, a gente lê uma reportagem maiúscula, com apuração fina a partir de entrevistas, consulta a dados empíricos e uma correta atenção para o contexto. Outra característica, que não é necessariamente uma virtude mas cai bem aqui, é que o foco esteve realmente dedicado a recompor a vida e a produção literária do Noll, sem desvios para comentário crítico ou para a vida brasileira. Um único reparo que me ocorre fazer, consultando aqui meus apontamentos de leitura, é que poderia ter havido, nos primeiros momentos do texto, um novo pente-fino que flagrasse algumas redundâncias e imprecisões. Problema pouco, que em seguida se dissipa, em favor da alta qualidade do trabalho.
Muitos dos enigmas que cercam a vida do escritor são esclarecidos com propriedade. E a abordagem do Flávio está a léguas de distância de qualquer sensacionalismo ou estridência. A vida de Noll poderia render coisas desse tipo, porque ele foi um sujeito ao mesmo tempo libertário, em matéria de relacionamentos amorosos, e um desviante, de vida mais que modesta, mantida toda a atenção para a produção literária. Nas duas coisas enfrentou muitas frustrações, e desse atrito ele de algum modo se motivava para escrever.
Como leitor, não sou um grande entusiasta da obra do Noll. Evidentemente se trata de um escritor interessante e relevante, mas suas escolhas o foram de algum modo embretando, diminuindo o alcance potencial de sua literatura – o que não seria problemático se ele não se mostrasse muito incomodado por não ser reconhecido, menos na crítica e mais no resultado financeiro.
Lembro perfeitamente meu espanto quando a geração que agora anda pelos 40 anos começou a celebrá-lo e a tomá-lo como referência maior. Até ali eram Sergio Faraco, Moacyr Scliar e Caio Fernando Abreu que polarizavam a atenção, entre os gaúchos. Será que agradava esse aspecto de total entrega do escritor a seu ofício, assim como o caráter fugidio, errático, esmaecido de seus personagens?
Por isso ou por aquilo, a biografia escrita por Flávio Ilha será uma leitura instrutiva. A ótima documentação da trajetória e da visão de mundo de Noll é um presente para a cultura letrada brasileira.