Aqui mesmo na Zero, em novembro de 1995 — bá, já um quarto de século atrás —, escrevi um necrológio para Celso Pedro Luft, cujo nascimento completou cem anos sexta-feira passada. Fui reler agora o que então escrevi, texto que depois recolhi num livrinho que estimo muito, Contra o Esquecimento. É disso que se trata: sou contra o esquecimento de figuras como ele.
Fui aluno dele na graduação em Letras, na UFRGS, ele um professor maduro e com obra incontornável, manso como a misericórdia (epa, saiu uma comparação meio nelsonrodrigueana), profundo, gentil, delicado, inteligente, sagaz. Era tudo isso e, coisa então mais ou menos rara, dava trela para aluno. Queria saber, indagava, com genuíno interesse, o que os alunos percebiam em determinada frase, num giro semântico ou sintático inesperado. Ouvia, arguia, pensava ao vivo, oferecia caminhos de interpretação. Tudo isso sobre uma base clássica de primeiro nível.
Não era raro ele entrar na aula, nós já no fim do curso, e dizer: “Ouvi essa frase agora no ônibus (ele não dirigia, sua esposa Lya Luft o levava muitas vezes de carona) e fiquei pensando; queria ver o que vocês acham”. E escrevia no quadro, com aquela letra invejável. Era uma esquisitice, algo talvez fora do alcance dos manuais de gramática, e por isso mesmo ele queria entender: a língua para ele era coisa viva.
Depois, eu já professor no mesmo Instituto de Letras, tive a honra de conviver com ele na qualidade de colega. Contei a ele, na altura de 1990, da minha ideia de escrever um dicionário de palavras e expressões características da cidade — e ele se entusiasmou, me apoiou, colocou-se à disposição para qualquer coisa. (Bem ao contrário, dois ou três outros colegas meus, da geração dele ou menos, botavam areia: “Mas quem é ele para isso? E ele lá sabe fazer dicionário? Que petulância!” Não me diziam às claras, mas mandavam recado por alunos. Bá.)
Quando saiu finalmente meu Dicionário de Porto-alegrês, em 1999, Luft não estava mais por aqui, respirando o mesmo ar. Eu o teria procurado para pedir uma palavra de apoio —que ele daria, tenho certeza.