Invadido pelas águas em 1941 e 2024, um complexo de prédios é simbólico para a economia de Porto Alegre. Perto do Guaíba, os pavilhões estão na Rua Frederico Mentz, no bairro Navegantes. Em 1941, abrigavam a poderosa fábrica de roupas Renner, quando a economia porto-alegrense era baseada nas indústrias e no comércio. Em 2024, os prédios são ocupados pelo Instituto Caldeira, um hub de inovação, âncora da aposta da cidade no setor de tecnologia.
Enchente na Renner
Antes do aterramento feito para construção do novo Cais Navegantes e do dique formado pela Avenida Castello Branco e pela Freeway, o Guaíba estava mais próximo da fábrica da Renner em 1941. Os bairros Navegantes, São João, São Geraldo e Floresta foram os mais afetados pela enchente. Em 7 de maio de 1941, o Jornal do Brasil publicou que a altura da água chegou a um metro e meio dentro da fábrica A. J. Renner, que empregava mais de dois mil operários.
Em 18 de maio, dez dias depois do pico da enchente, o Diário de Pernambuco publicou o relato do jornalista Carlos Rizzini: "navegamos no interior da fábrica de casimira dentro de um caiaque e assistimos, junto aos seus depósitos, o ingente esforço para retirar do fundo das águas escuras meadas e meadas de lã".
A inundação durou mais de 15 dias nas grandes fábricas de tecidos do 4º Distrito. O empresário A. J. Renner estimou que precisaria de um semestre para a fábrica "voltar à cadência anterior". Em 23 de maio, o jornal carioca A Noite noticiou que, além da perda de estoques de lã, teares e máquinas de fiação ficaram completamente enferrujados. Os escritórios estavam "imprestáveis".
O estádio do G. E. Renner, clube de futebol formado por funcionários da empresa, também ficou inundado na esquina das avenidas Sertório e Farrapos.
Enchente no Instituto Caldeira
O Instituto Caldeira foi fundado em 2020 por 42 grandes empresas. Abriu as portas em 26 de março de 2021. Sem fins lucrativos, tem o propósito de impulsionar transformações através da inovação. O hub de inovação ocupa 22 mil m² do complexo antigo da Renner. Em média, 1,8 mil pessoas circulam diariamente pelo espaço, considerando os eventos e as 130 empresas que mantêm escritórios no local.
Em 3 de maio de 2024, o complexo foi evacuado após o início da inundação na região. Em carta aberta, o diretor-executivo do Instituto Caldeira, Pedro Valério, escreveu que o espaço de inovação nasceu na pandemia de Covid-19 e "vai sobreviver a uma enchente". Valério conta que a água chegou a 2m20cm em alguns pontos dentro do complexo. Nesta segunda-feira (27), 24 dias depois do início da enchente, a altura da água ainda está em aproximadamente um metro, impedindo avaliação completa dos prejuízos e início da limpeza.
O Caldeira é âncora de uma transformação em andamento na economia da cidade. Ele tem escritórios de empresas, instituições e até a sede da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Com o sucesso do projeto, foi anunciada neste ano a ampliação das operações para os prédios da antiga fábrica de tecidos Rio Guahyba, que fica em frente e também foi inundada em 1941.
Como foi a enchente de 1941
A chuva no Estado começou em 10 de abril, uma Quinta-Feira Santa. Por 35 dias, o Estado foi castigado pelos temporais. Em Porto Alegre, choveu em 22 dias neste período, acumulando 619,4 milímetros.
Depois do caos no interior, os rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí encheram o Guaíba. Com 272 mil habitantes, Porto Alegre ficou com suas principais áreas comerciais e industriais embaixo d´água no início de maio, quando o vento Sul represou o Guaíba.
Baseados na experiência de outra grande enchente, de 1928, muitos porto-alegrenses demoraram para se convencer da gravidade. Em 8 de maio de 1941, o nível do Guaíba atingiu a marca de 4,76 metros no Cais Mauá, onde a cota de inundação é de três metros.
As consequências da enchente de 1941 foram sentidas por muito tempo. Em 1967, outra cheia do Guaíba deixaria partes da cidade embaixo d´água. Depois dos traumáticos episódios, Porto Alegre construiu o muro da Avenida Mauá e um sistema de diques.
Na enchente de maio de 2024, a marca de 4m76cm foi superada no início da noite de 3 de maio. No madrugada de 5 de maio, foi registrada a maior marca da história do Guaíba no Cais Mauá: 5m35cm.