A primeira fala do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, chamou a atenção de observadores mais atentos da política e das questões de enfrentamento à pandemia do coronavírus. Disse Teich, ao lado do novo chefe no Palácio do Planalto: "economia e saúde não competem entre si", "não vai haver qualquer definição brusca ou radical" e "tudo aqui vai ser tratado absolutamente de uma forma técnica e científica". Não é preciso ter estudado em Harvard para perceber que há razoável similaridade no tom do discurso com o antecessor Luiz Henrique Mandetta, demitido nessa quinta-feira pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. É preciso ir além, portanto, na análise do xadrez político.
De fato, ambos têm a ciência como norte de seus posicionamentos. E aí está o ponto. Não foi o isolamento social ou o apreço pela ciência que fez com que Mandetta virasse algoz de Bolsonaro nas últimas semanas. Mas, sim, seu posicionamento de insubordinação e, na visão de bolsonaristas, provocação ao chefe. Não é a primeira vez, aliás, que um ministro que aparece demais incomoda o presidente. No caso de Mandetta, a primeira DR com o chefe ocorreu por ocasião de uma aparição pública em entrevista ao lado do governador de São Paulo, João Dória (PSDB) - desafeto do presidente. Não é preciso ir longe para saber que as alfinetadas Dória x Bolsonaro tem menos a ver com cloroquina do que com as eleições de 2022. Ali, contou a colunista Natuza Nery, na Globonews, Bolsonaro telefonou para Mandetta e cobrou explicações. Os dois se encontraram, depois, em Brasília e a crise conjugal estava posta.
Dali, sucederam-se uma série de episódios, Mandetta continuou a contrariar o presidente - ainda que com certa razão - e escolheu a TV Globo, também alvo da ira de bolsonaristas, para dar sua derradeira entrevista que foi considerada a gota d'água, inclusive para a ala militar do Palácio do Planalto. Com a ciência de que seria demitido, Mandetta, não deixou por menos e passou a fazer de tudo para capitalizar seu afastamento. Falou com tom emocionado, chamou a equipe do ministério de "família" e marcou posição clara no jogo político, dizendo-se ao lado da vida e apontando, claramente, para quem pensava o contrário. Cabe lembrar: o agora ex-ministro ganhou simpatia entre a população e viu sua popularidade disparar em relação à do chefe, a partir do enfrentamento à pandemia.
Que esta não é a hora adequada para disputas políticas (e de ego, convenhamos) não é preciso dizer. A preocupação com a vida de milhares de brasileiros que enfrentarão a covid-19, hospitais e UTIS lotadas, familiares enterrando entes queridos sem poder sequer se despedir, isso sim deveria tirar o sono de qualquer governante responsável. Disse o novo ministro, em sintonia com Mandetta: economia e saúde não competem entre si. Mas, em Brasília, todos sabem, há muito mais entre céu e terra do que pode imaginar nossa vã filosofia. Oremos.