Um mês após deixar o cargo de ministro da Justiça e dois dias após a divulgação do vídeo da reunião ministerial, o ex-juiz federal Sergio Moro aceitou narrar sua versão ao programa Fantástico, da TV Globo, e contar suas impressões a respeito do governo de Jair Bolsonaro, do qual fez parte um ano e quatro meses. Para além da interferência na Polícia Federal, já alegada por Moro na data em que pedira demissão, o ex-ministro revelou mais um motivo preponderante para optar pelo divórcio de Bolsonaro: o esvaziamento da agenda anti-corrupção. E mais uma vez voltou sua artilharia contra o presidente da República.
Na percepção de Moro, não foi somente a troca no comando da Polícia Federal, com a demissão de Maurício Valeixo. Houve, antes, o deslocamento do Coaf, o desinteresse no pacote anti-crime e mais recentemente nomeações duvidosas para cargos no governo. Ele elencou à jornalista Poliana Abritta uma série de elementos que, para ele, tornaram explícito o descompromisso de Bolsonaro e seus ministros com mudar a forma como se faz política no Brasil.
- O governo se vale da minha imagem, que eu tenho esse passado de combate firme contra a corrupção, e de fato o governo não está fazendo isso. Eu fui permanecendo porque tinha esperança de avançar com essa agenda - afirmou.
Para Moro, um primeiro movimento que demonstrou que não havia empenho de Bolsonaro quanto ao combate à corrupção ocorreu quando do deslocamento do Coaf para o Ministério da Economia. Parece distante, mas foi no ano passado. Na época, surgiram vozes contrárias à mudança, já que na prática poderia significar blindagem ao senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. A razão: o próprio Coaf havia identificado movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro - com movimentação de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 ao mesmo mês de 2017. À época, Moro não gostou.
O ex-ministro seguiu expondo ao Fantástico atitudes palacianas que corroboram, para ele, a leitura de que o combate à corrupção talvez não fosse a grande paixão do presidente da República. Citou o esvaziamento do pacote anti-crime no Congresso e a desmobilização de aliados do governo, sem interesse em apoiar as medidas propostas pelo então ministro. Neste ponto, Moro contou também ter se sentido isolado quanto à defesa da prisão após condenação em segunda instância.
- Houve lá mudança do entendimento da execução em segunda instância, depois foi apresentado proposta de emenda constitucional para restabelecer execução em segunda instância, que é algo muito importante contra a corrupção. Não houve uma palavra do presidente da república em apoio - lembrou.
O ex-ministro ainda acrescentou as últimas alianças fechadas pelo governo Bolsonaro, em especial com políticos do grupo chamado "centrão". Um posto chave - o comando de um fundo bilionário da educação - foi entregue, por exemplo, a um apadrinhado de Valdemar da Costa Netto, figura carimbada do PL e condenado no processo do mensalão.
- Eu não tenho nada contra os políticos. Mas algumas alianças são realmente questionáveis - explicou.
De fato, Moro está certo ao lembrar cada um desses episódios que, juntos, denotam que a agenda vendida ao eleitor durante a campanha eleitoral pode até seguir firme quanto aos costumes, porém esvaziada quanto ao "acabar com isso daí". Espanta é que um juiz federal de tamanha competência tenha levado tanto tempo para perceber o que estava diante de seus olhos.