O ex-ministro da Justiça e da Segurança Sergio Moro concedeu entrevista ao Fantástico, da TV Globo, na noite deste domingo (24), um mês após deixar o ministério. O ex-juiz criticou a aproximação do governo federal com políticos do centrão e afirmou que faltou apoio do presidente Jair Bolsonaro no combate à corrupção.
— Esta agenda de corrupção não teve o impulso por parte do presidente da República para que nós implementássemos. Tivemos, por exemplo, a transferência do Coaf do Ministério da Justiça, e não houve empenho do Planalto. Não houve apoio ao projeto anticrime. Houve a mudança do entendimento da execução em segunda instância, depois foi apresentada proposta de emenda constitucional para restabelecer a execução em segunda instância, e não houve nenhuma palavra do presidente em apoio. Esta interferência na Polícia Federal vem num âmbito de um contínuo. E recentemente, nós vimos as alianças com políticos que não têm um histórico totalmente positivo dentro da história. Acabei entendendo que não fazia sentido permanecer no governo. Qual foi a minha percepção? O governo se vale da minha imagem, de combate firme à corrupção, e, de fato, não está fazendo isso — apontou.
Moro ressaltou também que, durante todo o período à frente do ministério, se manteve fiel aos seus princípios:
— Minha lealdade ao presidente necessita que eu me posicione com verdade, com o que eu penso. E não apenas concordando com a posição do presidente. Se for assim, não precisa de um ministro, precisa de um papagaio.
Questionado pela apresentadora Poliana Abritta sobre o motivo de ter permanecido calado na maior parte do tempo da reunião de 22 de abril, conforme mostra o vídeo liberado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), Moro explicou:
— Pelo próprio tom da reunião, é muito claro que o contraditório não é muito fácil de ser realizado na ocasião. Essas situações me causavam absoluto desconforto.
As mensagens de Bolsonaro enviadas ao então ministro da Justiça afirmando que mudaria o diretor-geral da Polícia Federal demonstram que, nas palavras de Moro, “a argumentação de que não havia interferência na Polícia Federal não é, propriamente, correta”.
— O vídeo da reunião é mais um dos elementos de prova. Ele externou de que iria intervir porque os serviços de inteligência não funcionavam e ele, me parece claro até pelo gestual que se refere a mim (no vídeo), estava falando da Polícia Federal.
Ainda na reunião, Bolsonaro destacou ter um serviço particular de informações, para o estranhamento de Moro:
— O que me causou mais preocupação foi, me parece, o desejo de que os serviços de inteligência prestados por este serviço particular fossem passados a ser prestados pelos serviços oficiais.
Moro revelou que, pressionado por Bolsonaro durante a reunião, assinou no dia seguinte uma portaria aumentando a possibilidade de o cidadão comprar munição, de 200 cartuchos por mês para 550 cartuchos mensais:
— Não queria que isso fosse usado como subterfúgio para desviar a questão da interferência da Polícia Federal. Foi um pedido do presidente e, entendi naquele momento, que não tinha condições de me opor a isso porque já existia esta querela envolvendo a Polícia Federal — justificou.
Indagado pela reportagem sobre a possibilidade de quebra do compromisso de Bolsonaro firmado com ele em 2018 de que “ninguém seria protegido no governo”, Moro assim respondeu:
— Quando há esta interferência na Polícia Federal, isso me trouxe muito incômodo. Se viu em outras situações, trocas, substituições e demissões em outros órgãos do Estado, notadamente na área ambiental, que também seriam controversas. As substituições no Ministério da Saúde são controversas, questionáveis do ponto de vista técnico. Me sentia desconfortável com esta gestão, a posição do governo federal em relação à pandemia, muito pouco construtiva.
O ex-ministro apontou que o presidente da República tem uma posição negacionista em relação à pandemia. Para Moro, que é pró-isolamento, falta planejamento geral do governo federal em relação ao combate à covid-19.
Moro destacou que não se arrependeu de fazer parte do governo e que aceitou o convite para ser ministro porque entendia ter uma missão importante a realizar. Sobre o futuro, disse que ainda está buscando uma maneira própria de se posicionar, mas garantiu que pretende continuar contribuindo na área privada ou no debate público com as discussões que envolvem o Brasil.