Conta a história que embalou a infância de muitos brasileiros que uma criança chamada Chapeuzinho Vermelho chegou para visitar a avó, certa vez, mas sentiu algo estranho ao se deparar com a cena diante de seus olhos. A vovó tinha orelhas pontudas, olhos arregalados e mãos enormes, que não sem razão fizeram a menina desconfiar. Era um lobo disfarçado (spoiler), mas o animal chegou a afinar a voz para fazer a criança acreditar que tratava-se de uma senhorinha de bons anos de idade. O lobo, no entanto, não mencionou as palavras superintendência ou Polícia Federal.
O que a fábula nos faz crer é que até mesmo uma criança de é capaz de perceber quando algo está fora da ordem e é preciso estar atento aos que querem nos fazer crer o contrário, com narrativas construídas de forma cuidadosa.
Neste caso, menos as orelhas pontudas e mais o conteúdo da gravação entregue pela Advocacia-Geral da União ao Supremo Tribunal Federal que deveria nos preocupar. O vídeo é devastador, asseguraram fontes a jornalistas, mas Bolsonaro e seus auxiliares próximos reverberam a tese de que a fala sobre a troca referia-se à segurança dos filhos do presidente da República. Ora, se a preocupação era com os pupilos e seus guarda-costas por que a ameaça de demissão não se dirigiu, então, ao general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional? A Polícia Federal nada tem a ver com cuidados sobre os familiares do presidente. Essa é uma atribuição do GSI. É como se Bolsonaro trocasse o Secretário de Mobilidade por problemas com os motoristas do Palácio.
Contou o repórter Gabriel Mascarenhas, em O Globo, que a estratégia de desqualificação do vídeo da reunião de 22 de abril, apontado pelo ex-ministro Sergio Moro como prova da interferência política na PF, vai além. Desde ontem à tarde, as falas de ministros palacianos segue nesta direção: dizer que o vídeo "não prova nada" ou foi" um tiro na água dado pelo (Sergio) Moro". Acrescente-se a isso a fala do presidente a jornalistas, em Brasília, de que no encontro "não se falou em PF, superintendente ou investigação".
A gravidade das acusações feitas por Sergio Moro a respeito da ação do presidente não pode ser ignorada diante da apresentação de versões disseminadas por integrantes do governo - e reforçadas nos depoimentos de militares no inquérito no STF. É preciso apuração séria e responsável. A quem interessava a troca na direção-geral da Polícia Federal? O que o presidente queria, de fato, ao exigir relatórios de inteligência? Por que a AGU resistiu tanto a entregar o conteúdo da gravação? Agora, a bola está com o Supremo e com o procurador-geral da República, Augusto Aras.
Anos atrás, a maioria dos ministros da suprema corte, aliás, não referendou a tese de que a distribuição de recursos a partidos políticos em troca de votos no Congresso foi apenas (sic) caixa 2. Vejamos se, desta vez, o enredo palaciano vai colar.