O sol já havia ido embora quando avistei um amigo do outro lado da rua ao levar o cachorro para passear. Embora de máscara, não nos aproximamos porque, né, sabemos dos riscos de contágio. Mas os cachorros (Chico e Didu) se reconheceram e, aposto, devem ter rido mentalmente daquela situação. Perguntei como estavam as coisas, ao que e ele suspirou: "estamos todos sobrevivendo". E contou que o mais desafiador, na quarentena, havia sido encontrar uma forma de adaptar o espaço dentro de casa para que ele e a esposa pudessem trabalhar e, com o convívio de vinte e quatro horas ininterruptas, não transformassem o sonho dourado do casamento em "até que o corona nos separe".
Me explicou, calmamente, a respeito do relacionamento:
- Os primeiros dias foram os mais difíceis, o número de casos de discussão só subia. Chegamos ao pico e atingimos um momento gravíssimo. Mas acho que agora, felizmente, nos adaptamos e conseguimos achatar a curva - sorriu, ao ironizar o dia a dia do casal.
A curiosa analogia sobre a superação dos desafios do relacionamento, contudo, não pode ser utilizada para que falemos do Brasil. Em 16 de abril, o presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciou um divórcio "consensual" do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e, para enfrentar a maior pandemia global dos últimos anos, anunciou a chegada de um novo titular para a Saúde: o oncologista Nelson Teich. Com currículo louvável e, sublinhe-se, a mesma defesa do antecessor quanto à necessidade de isolamento, Teich deu início a uma gestão menos conflituosa com o chefe, mas ainda assim baseada em ciência e distanciamento social.
Bastaram alguns dias para que apoiadores do presidente, então, reagissem. Contou a Folha de São Paulo que o novo ministro se tornou - ao lado de Moro, Jornal Nacional e o comunismo - alvo das patrulhas digitais bolsonaristas nesta semana. Ao não endossar o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19, foi parar entre os assuntos mais comentados do Twitter na noite desta segunda-feira (11), com a hashtag #ForaTeich. Parte do grupo chamou Teich de “comunista”. Houve quem dissesse que o oncologista estaria a serviço da China. E também surgiram aqueles que pediram que o gaúcho Osmar Terra (MDB) fosse nomeado por Bolsonaro para o lugar dele.
Que tempos.
O capítulo triste dessa história passa ao lado da guerra digital travada por militantes e disseminadores do ódio travestidos de patriotas. O país ostenta a avassaladora marca de 11 mil mortes por coronavírus e a curva não para de subir. Já seria desesperador se houvesse um líder comprometido, mas não há seriedade quanto à condução de políticas que façam o Brasil superar a grave crise de saúde e com seríssimos reflexos econômicos. Milhares de pessoas se aglomeraram em filas nas agências da Caixa em busca de um auxílio de R$ 600.
Como depositar esperança em um governo onde o próprio ministro é surpreendido, durante entrevista coletiva, sobre decisão do presidente de incluir entre os serviços considerados essenciais academias esportivas, salões de beleza e barbearias? Difícil. É melhor jair se preocupando.