A queda de Mandetta já estava sacramentada há dias e não surpreendeu nem as carpas do espelho d'água em frente ao Palácio da Alvorada. A demissão, oficializada na tarde desta quinta-feira (16), se tornou questão de honra para o presidente Jair Bolsonaro que divergiu publicamente do subordinado em uma série de ocasiões. O antagonismo quanto à necessidade de isolamento social rachou de vez a relação entre os dois, em meio à pandemia do novo coronavírus
Ciente da fratura exposta, Mandetta não quis deixar por menos e decidiu cair atirando. Não foi à toa que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, chegou para sua última entrevista coletiva enquanto ministro ontem no Palácio do Planalto, junto a seus fieis escudeiros, secretários João Gabbardo dos Reis e Wanderson de Oliveira. Médico e deputado federal pelo DEM, ele optou pela exposição política de seu afastamento. Respaldado por forte apoio da população, Mandetta usou de sutileza nem tão sutil para fuzilar o chefe, disse que seu caminho é amparado na ciência, na defesa da vida e do Sistema Único de Saúde. E deixou claro de quem é a escolha por um caminho antagônico a esse: Jair Messias Bolsonaro.
A decisão por escancarar seu processo de fritura dentro do governo já vinha sido observada nos últimos dias. No domingo, Mandetta recebeu a equipe do programa Fantástico, da TV Globo, no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás, para uma entrevista que enfureceu o presidente e o fez perder apoio também entre a ala militar do governo. "O cidadão não sabe se ouve o ministro ou o presidente da República", disparou. Ali, se desfez a última chama.
A estratégia também ficou clara em entrevista do agora ex-ministro à revista Veja. Ele confessou seu sentimento de cansaço após dois meses de trabalho intenso contra a Covid-19 e contra o próprio chefe: "60 dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante".
A saída do principal nome no combate à pandemia no Brasil é sintomática, em um governo que insiste em negar dados científicos e vai na contramão de líderes mundiais, como Donald Trump e Boris Johnson, que defendem o distanciamento social como medida importante para frear a disseminação do novo coronavírus. Mas haveria de se esperar diferente? Nem tão pouco tempo atrás emergiram dúvidas sobre se a Terra realmente se fazia redonda.
A escolha do novo ministro - o oncologista Nelson Teich - já está sendo acompanhada com lupa por médicos, políticos e entidades. Ocorre que o comportamento do presidente deixa claro que o novo integrante, ainda que tenha um currículo impecável, terá que se submeter às vontades do chefe. Caso contrário, a queda será questão de tempo. Assim como foi com Mandetta, que cansou de ter que explicar ao Big Boss que a defesa da vida não deveria nem sequer ser uma opção.