A realidade é boa e indispensável para que escapemos do delírio e da decepção compulsória que habitam aqueles puxadinhos de ilusão que construímos para tornar o nosso cotidiano suportável, mas ela é modesta, rígida e pouca.
E por isso os amigos exagerados são tão importantes, acrescentando esperança de um futuro melhor, mesmo sem nenhuma certeza de que ele virá, não desistimos de esperar que venha para garantir dignidade na sobrevivência.
Em tempos de carência afetiva, a palavra serena do amigo pode ser o único fio da esperança, visto de fora como o mais frágil dos nossos sustentáculos emocionais, mas só os solitários sabem da força desse fio.
Os amigos exagerados são sempre vigilantes contra a presença obstinada, atenta e beligerante daqueles antenados desafetos que não conseguimos evitar e que mantêm um elevado nível de concentração para detecção precoce, instantânea e irrefutável das nossas pobrezas espirituais.
Os amigos exagerados, que tantas vezes lembram nossas mães na busca de virtudes inaparentes aos olhos dos deprimentes realistas, não precisam ser muito numerosos, mas devem ser ativos e presentes, porque nunca saberemos quando eles serão agudamente necessários.
E devem sempre manter um elogio engatilhado mesmo que as justificativas não sejam visíveis aos desprovidos de afeto, esses que se orgulham de encarar a vida como ela é, ignorando que no mais das vezes ela é assim por culpa de quem não soube vivê-la.
Esses amigos precisam manter uma condição de equilíbrio saudável entre o que é real e o ridículo, com a preocupação constante de que nenhuma oportunidade de aplauso seja desperdiçada para se contrapor a inevitável sensação de que, na maior parte do tempo, somos muito menores do que gostaríamos.
Mas os amigos exagerados não servem apenas para manter nosso astral elevado, são figuras imprescindíveis como guardiões da nossa autoestima, sempre vigilantes contra a presença obstinada, atenta e beligerante daqueles antenados desafetos que não conseguimos evitar e que mantêm um elevado nível de concentração para detecção precoce, instantânea e irrefutável das nossas pobrezas espirituais.
Claro que encanta quando esse seleto grupo de amigos ganha a adesão voluntária e explícita de um tipo generoso e puro, como o Carlinhos Schwartsmann, que não se contentou com o elogio oral público e tratou logo de colocar no jornal, para preservar a memória definitiva do registro escrito. E quando fui agradecê-lo, ele justificou: "Assumindo que não sei quanto tempo viverei, nem quanto tempo viverás, tomei a decisão de agradecer sempre que houver a possibilidade de contar com a presença do homenageado vivo".
Quem ainda não tem ao menos um amigo assim exagerado não deve desistir de procurá-lo. Se pudesse ajudar a encontrá-los, recomendaria que os buscasse entre os seus convivas mais felizes, maduros e bem resolvidos, esses tipos que transitam, descontraídos e sorridentes, naquele patamar onde a mesquinhez e a inveja não alcançam.
Para refinar os critérios de busca e dispensar logo os oportunistas, busque-os entre os que marcam território pela naturalidade com que festejam as conquistas dos amigos. Esta atitude superior ultrapassa em sofisticação a gentil solidariedade de parceria no sofrimento, que é festejada e útil, mas muitas vezes tem como raiz principal a comiseração, um sentimento lindo, mas transitório e fugaz. Enquanto o brilho no olho pelo sucesso do amigo é, encantadoramente, definitivo.