"Eu não tenho nenhuma coragem, mas procedo como se a tivesse, o que talvez venha dar ao mesmo." (Gustave Flaubert)
Que bom que as pessoas são diferentes, porque é a diversidade que dá graça à vida e assegura a prática médica como uma atividade inspiradora, estimulante e pedagógica.
Mesmo uma longa trajetória profissional não previne surpresas de atitudes as mais inusitadas. Estou convencido de que é o inesperado das reações humanas que mantém o médico veterano animado para sair de casa todas as manhãs em busca de novas histórias, que na essência carregam as melhores justificativas para a vida dos seus surpreendentes e contraditórios personagens.
Max Nunes, um carismático cardiologista carioca que se tornou parceiro humorístico de Jô Soares em seus programas de TV, trabalhou como médico até próximo da sua morte, em 2014, aos 90 anos de idade. Quando questionado sobre as razões de seguir trabalhando, respondeu: "Não vou parar enquanto não descobrir uma fonte mais rica de histórias do que os nossos ambulatórios".
Sabe-se também (e os políticos descobriram isso antes) que a narrativa pode ser mais importante do que a verdade, impondo que o resgate afetivo de uma biografia seja acessado, algumas vezes, não tanto pelos registros convencionais e mais pelas lembranças do biografado, como advertiu Gabriel García Márquez no seu maravilhoso Vivir para Contarla: "La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda, y cómo la recuerda para contarla".
O dia a dia de uma vida monótona não desperta preciosidades emocionais, mas nada se compara em imprevisibilidade às reações de pessoas tidas como normais diante da iminência da morte.
A narrativa pode ser mais importante do que a verdade.
Os extremos de submissão ou rebeldia seguem impactando a vida dos médicos mais experientes. Desde o jovem que, ao saber que o transplante redentor era impossível, deitou-se em posição fetal e, negando-se a comer ou banhar-se, morreu em duas semanas; até uma jovem americana que se apresentou num programa de calouros (America's Got Talent) para cantar uma composição sua (It's OK) na qual comove pela consciência da morte rondando por uma neoplasia disseminada.
E quando um dos jurados argumentou que, diante do relatado, ela não estava OK, ela respondeu: "É importante que as pessoas saibam que eu sou muito mais do que as coisas ruins que me acontecem".
Ao final de uma interpretação absolutamente emocionante, outro jurado comentou: "Você é linda, tem uma voz maravilhosa, é difícil imaginar o que está vivendo". Ela, movida pela serenidade de quem ultrapassou a barreira do medo, foi definitiva: "Não podemos esperar que tudo esteja bem para começarmos a ser felizes".
Difícil é ter a coragem necessária para compor uma biografia que mereça ser contada, e que ainda sirva como lição aos que se queixam até da falta do que se queixar.