A prática médica, exemplarmente concebida para ser uma atividade plena de confiança, generosidade e gratidão, vive tempos nebulosos, marcada por desencantos, queixas e demandas judiciais, especialmente no sistema público de saúde. A Constituição de 1988, ao criar o SUS, foi sem dúvida um grande avanço comparado com o nada que tínhamos, e em situações dramáticas como a pandemia o SUS foi decisivo porque entregou o prometido. Mas no cotidiano, visto com a objetividade de quem precisa pagar as contas, tem se revelado um projeto fantasioso de saúde para todos. E as consequências de falhas gigantescas na concepção do SUS, ignoradas pelos ideologicamente cegos, só têm aumentado, ao longo do tempo, o drama da sobrevivência do sistema.
Do mesmo modo, a falta de financiamento compatível e sustentável tem exigido dos hospitais verdadeiros malabarismos gerenciais para sobreviverem. E como se podia prever, é inviável reduzir custos sem afetar a qualidade do atendimento.
Quando associamos a isso as denúncias frequentes de má gestão com desperdício de escassos recursos e o crescimento exponencial da população com natalidade desregrada nas classes sociais que dependem exclusivamente do SUS, a projeção do futuro é, no mínimo, assustadora.
Olhando de fora, o paciente é a única vítima desse sistema discriminatório, excludente e cruel. Certo? Quem convive com esse caos sabe que não.
Também não se pode ignorar que os maravilhosos avanços tecnológicos que deslumbram pela qualificação que acrescentaram à medicina moderna têm gerado um dilema: o sentimento de culpa se não os usamos ou a certeza de insolvência administrativa se priorizarmos unicamente o interesse do paciente, como nossa consciência exige, sem direito às contestações. E tenham certeza de que ninguém fica confortável ao fazer esta escolha.
Olhando de fora, o paciente é a única vítima desse sistema discriminatório, excludente e cruel. Certo? Quem convive com esse caos sabe que não.
Curiosamente, exceto os médicos, ninguém mais parece preocupado com a qualidade de vida do cuidador, ainda que a função (ia escrever missão) dele seja a de zelar pelo que todos consideram o nosso bem maior. Mesmo que os imprevidentes só valorizem a saúde ao perdê-la, e então tragam no olhar, ao agora considerado "salvador", um pedido explícito de socorro. E que nunca é negado, mesmo a quem nada fez por merecê-lo.
Quem convive com a expectativa dos formandos, cheios do ideal mais nobre, não consegue evitar a aflição de encontrar, logo depois, médicos jovens na corrida dos plantões, mal remunerados, exaustos e sem tempo de estudar, empenhados na batalha mais primitiva: a da sobrevivência. Ainda mais se o cansaço físico for multiplicado pela sensação de sonho frustrado.