"Felicidade, essa coisa que ninguém sabe bem o que é e que um dia acaba."
Quem se propõe a ensinar, qualquer que seja a área de atuação, vai arrastar seu passado como referência do que aprendeu, para reprisar e seguir adiante, ou para identificar os enganos a serem evitado.
Da combinação de lições, doces ou amargas, cria-se a experiência para fazer o hoje melhor do que o ontem, e sempre de olho no futuro, que nos confrontará logo adiante para aplaudir-nos ou vaiar-nos com a implacabilidade da vida real.
Com cinco décadas de trabalho e ensino médico, é inevitável que tenhamos a percepção clara das razões das queixas multiplicadas nesse período. Como fomos juntos com a mudança, conferindo-nos as funções de partícipes e testemunhas, seremos cobrados pela história, com severidade ou benevolência, e já nos contentaremos se ao menos for com justiça.
As dificuldades se acentuaram a partir do momento em que inúmeras escolas de Medicina foram abertas por razões meramente políticas.
Com o indisfarçável crescimento das críticas à medicina atual, convém que revisemos o nosso desempenho na formação dos profissionais que sairão das nossas escolas carregando nossos modelos, arquivados muito mais pelo exemplo, do que pelo discurso.
Poderemos alegar que, abstraídas as festejadas ilhas de excelência na formação médica brasileira, uma boa parte das nossas escolas peca pela falta de infraestrutura e suporte para oferta de um ensino profissional qualificado. E que as dificuldades se acentuaram a partir do momento em que inúmeras escolas foram abertas por razões meramente políticas, muitas delas sem ter sequer um hospital-escola, que devia oferecer o treinamento elementar pelo convívio com o paciente e a sua doença.
Sabemos todos que, sem essa disponibilidade, o ensino médico se restringe ao aprendizado teórico com um modelo pedagógico virtual, desvinculado de qualquer proximidade com o paciente, único caminho que pode produzir, pela interação afetiva, profissionais tecnicamente qualificados e seres humanos comprometidos.
Mas esgotadas essas justificativas como supostos atenuantes para um desempenho acadêmico mais pretensioso do que verdadeiro, ainda teremos que prestar contas do que estamos oferecendo aos nossos estudantes como recursos extras para o enfrentamento dos enormes desafios de um mercado que é cada vez mais exigente para os veteranos e cruel para os principiantes.
Infelizmente, muitos mestres, reconhecidos por seus conhecimentos e afirmados por competência, parecem ignorar que a porta que se escancarava para o sucesso dos recém graduados há 50 anos atualmente tem senhas de acesso, duramente obtidas com a comprovação de habilidades que transcendem ao conhecimento técnico acumulado.
Cada vez mais comprometido com os temas sensíveis que os livros técnicos ignoram, me encanto em espalhar humanismo e desejar que cada aluno prove, do seu jeito, o deslumbramento de descobrir que a maravilha de ser escolhido pelos pacientes nunca é casualidade.
Em cada despedida de uma nova turma de formandos, todos energizados pela magia dos desafios e eufóricos pela possibilidade de provar, mais para si do que para os outros, do que são capazes, me comovo com os agradecimentos e as promessas de que um dia voltarão só para contar que cumpriram. E me contenho para não confessar que queria muito ser um deles para, outra vez, e como nunca mais, ser feliz.