Como sempre, a repressão dos sentimentos, especialmente os maus, tem limites.
Dependendo das condições emocionais dos envolvidos, a eclosão pode parecer exagerada, mas é uma construção quase obrigatoriamente lenta, com todas as reservas sendo minadas ao colocar à prova a submissão e a resiliência das vítimas.
Dias atrás, uma sessão magistral do programa Humanidades na Saúde do Hospital Samaritano, no Rio, impactou médicos experientes, a maioria deles professores, com os depoimentos de estudantes do terço final de faculdades renomadas, relatando aspectos do currículo _ não o tradicional, que não estava em discussão, mas do que nominaram como o currículo oculto. Um rótulo muito adequado para uma série de pequenas atrocidades que começam com o trote nos calouros, um rito de passagem idiota, e seguem com microatropeladas na autoestima, que os insensíveis podem considerar irrelevantes, mas são insistentes ferroadas de humilhação e deboche.
Os verdadeiros mestres ficam espantados com o sofrimento dos alunos mais frágeis, e muitas vezes se oferecem para ajudar.
Depois de algumas semanas, com os mais frágeis identificados entre as personalidades imaturas, intensificam-se as "brincadeiras" impiedosas que geram as crises de pânico, de depressão, de agorafobia e, em grande medida, as taxas duplicadas de suicídio entre estudantes de Medicina, na comparação com outras escolas universitárias.
Com a avanço do curso, cresce exponencialmente a tensão, porque na formação médica pesa como em nenhuma outra a responsabilidade de zelar pela vida, esta que é, e sempre será, a matéria-prima mais preciosa e insubstituível.
O cuidado compartilhado dos pacientes, a partir do sétimo semestre, coloca no caminho do furacão uma legião de jovens puros e bem intencionados, mas vítimas da imaturidade inevitável, considerando que a escolha profissional tem sido imposta na adolescência, este período da vida que fascina pela ousadia e assusta pela ingenuidade na materialização dos sonhos mais elementares.
Não sabendo o que fazer em situações desconhecidas, e pressionado pela necessidade de corresponder às expectativas do mundo que o rodeia, o acadêmico adoece um pouco a cada dia, pela exigência massacrante de que ele seja melhor, mesmo que a meta estipulada ou pretendida esteja lá onde mora a utopia, na barra do horizonte.
Cabe a nós, professores, a intransferível necessidade de cuidar de quem cuida, para que esses embriões médicos, aturdidos pela inexperiência, não se espelhem em modelos equivocados.
Os verdadeiros mestres, com ouvidos abertos às queixas dos seus pupilos, ficam espantados com o sofrimento dos alunos mais frágeis, e muitas vezes se oferecem para ajudar, ainda que muitos deles não estejam, de fato, disponíveis para o quanto esta tarefa significa de acolhimento e cumplicidade.
Enquanto isso, os maus professores se negam a discutir essa demanda, porque acreditam, ou fazem de conta que sim, que o único dever deles é ensinar os alunos, ávidos de tudo, a fazerem os diagnósticos mais brilhantes e instituírem tratamentos adequados, ignorando que a nobreza desta profissão só se completará com o cuidado simultâneo da pessoa que adoeceu, e ainda mais da sua família, que adoece junto, e em escalas proporcionais ao significado afetivo do seu amado adoecido.
Se todos os professores médicos tivessem a exata medida da importância do exemplo na formação médica, o nível de qualificação dos 35 mil novos formandos a cada ano subiria muito, as queixas diminuiriam, e o velho glamour desta maravilhosa profissão seria resgatado.
Se esses argumentos não forem considerados convincentes, então vamos pensar, egoisticamente, que os médicos que estamos formando serão aqueles que no futuro próximo cuidarão de nós, dos nossos filhos e, por favor, vejam lá o que estamos ensinando, dos nossos netos.