O cuidado do outro sempre será um exercício de compaixão, e o menosprezo a esta exigência certamente tem contribuído para empobrecer a relação entre o médico e a sua comunidade, suscitando um número crescente de queixas e banalizando as demandas judiciais. Há três ou quatro décadas não só elas eram raras, como vistas como uma desconsideração absurda pela figura respeitável do médico.
Como historicamente nada acontece por acaso, precisamos, mais do que identificar culpados na sociedade, onde sem dúvida está ocorrendo uma deterioração de valores elementares de civilidade, assumir a nossa inegável responsabilidade pela depreciação da empatia, da qual a compaixão é o suporte histórico da reverência espontânea com que o médico sempre foi tratado. Atribuir o descalabro das relações entre médico e paciente, especialmente na saúde pública, ao fato de que "os tempos mudaram" seria admitir que o ser humano está em franca decadência, o que é uma simplificação preguiçosa e inútil.
Assumindo que esta relação se baseia em troca de delicadezas e que o afeto mora nos pequenos detalhes, parece racional revisar algumas situações específicas em que poderíamos ser melhores, dando-nos a partir daí o legítimo direito de criticar o sistema.
Um dia desses, atendendo no ambulatório de cirurgia torácica pediátrica, comentei com uma mãe que me encantara com seu garotinho, super à vontade e sorridente. E ela me advertiu: "Ponha um avental e o senhor vai ver a transformação". Alguém trajando branco tinha subvertido a relação médico/paciente e plantado naquele pingo de gente uma aversão gratuita e cruel, que ele carregaria por um tempo injusto.
A pretensão estúpida de acalmá-lo alimentaria muitos pesadelos no futuro.
Um jovem acidentado, com inconfundível cara do medo, aguardava numa maca para ser atendido no meio de um turbilhão de gritos, gemidos e choro, numa convergência casual de vários traumatizados. Quando esboçou uma reclamação pela espera, um atendente sintetizou: "Tenha paciência porque você é o que tem menos chance de morrer". Incrível imaginar que aquela frase pudesse acalmar alguém que saíra de casa flamante e, uma hora depois, tinha descoberto que a morte, impensável naquela idade, se tornara uma possibilidade real. A pretensão estúpida de acalmá-lo certamente alimentaria muitos pesadelos no futuro.
Uma senhora nonagenária com câncer de intestino, com disseminação abdominal grosseira e com expectativa de morte em poucas horas, foi transferida para uma UTI extremamente qualificada, obrigando-a a conviver no ocaso de uma vida riquíssima de afeto com máquinas barulhentas e rodeada de pessoas boas, mas emocionalmente descomprometidas. Menos de quatro horas depois, a natureza generosa abreviou-lhe o martírio, mas a insensibilidade absoluta roubou-lhe a inestimável oportunidade de morrer de mãos dadas com quem de fato iria sentir a sua falta.
Esses três pacientes teriam sobrevivido ou morrido com ou sem compaixão, mas isso não pode de nenhuma maneira justificar a falta de sensibilidade, que tantas vezes é confundida com objetividade, mas que nunca será reconhecida como virtude quando imaginarmos que o alvo, independentemente da circunstância, poderia ser qualquer um de nós.