Lembrado sempre no segundo sábado de outubro, o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos lança luz sobre essa abordagem ainda tão conhecida e, em muitos casos, confundida com algo que não é. Prova desse desconhecimento foi o termo usado, recentemente, na CPI da Covid, pelo senador e médico Otto Alencar (PSD-BA), que se referiu à área como "especialidade macabra".
Muito além da imagem clichê de um paciente terminal deitado sobre um leito hospitalar, o cuidado paliativo trata-se da "assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos espirituais", definiu, em 2002, a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Dados de 2020 da própria OMS indicam que, a cada ano, 40 milhões de pessoas precisam de cuidados paliativos. Desse total, 78% vivem em países de média e baixa renda. Além disso, de todos os indivíduos que necessitam essa atenção, apenas 14% a têm efetivamente.
Coordenador do Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL/PUCRS), Lucas Ramos, que é geriatra, músico e produtor musical, destaca que o trabalho de um paliativista é transformador do ponto de vista profissional e também pessoal. Segundo ele, a conexão com as pessoas em um momento extremamente difícil é fonte de muitos aprendizados:
— Os pacientes se tornam nossos grandes mestres. É para eles que dedicamos essa data e a nossa reverência como profissionais. Nossos pacientes são grandes inspirações —diz.
Para esclarecer o que é e o que não é cuidado paliativo, elencamos algumas dúvidas frequentes. Confira:
Os cuidados paliativos são indicados somente para pacientes terminais, quando “nada mais pode ser feito” por ele?
Não. A partir da definição da OMS, de 2002, o conceito passou a ser mais amplo e abordar a melhoria da qualidade de vida de uma pessoa com doença ameaçadora à vida, sem mencionar incurabilidade e terminalidade.
— Paliativo vem do termo "pallium", que era o manto usado por guerreiros durante as Cruzadas e significa proteção. Em português, ele é mal interpretado, soa como "remediar", "gambiarra". Isso atrapalha bastante — fala Rodrigo Kappel Castilho, médico intensivista do Hospital de Clínicas, diretor científico da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (2021-2022) e fundador da Pallatium Cuidados Paliativos.
Castilho acrescenta que, mesmo em situações tardias, há muito a ser feito:
— Pode-se oferecer uma escuta ativa e empática para que esse paciente seja protagonista do seu momento de vida.
No cenário da covid-19, os conceitos dos cuidados paliativos foram ainda mais trabalhados, conta Ramos.
— É uma doença potencialmente curável, os tratamentos eficazes são só de suporte, mas trabalhamos muito em unidades de terapia intensiva (UTI) para ajudar no processo de decisão, comunicação efetiva e controle de sintomas. Portanto, o cuidado paliativo não é apenas para doenças incuráveis e não só para pacientes terminais.
Os cuidados paliativos são apenas para o paciente?
Não. Castilho explica que a abordagem abrange não só o paciente, mas também a sua família.
— Ele adoece e vem junto a família. E família no seu conceito mais amplo: biológica e não biológica. Às vezes, os parentes sofrem mais do que o doente.
Cuidados paliativos são apenas para pacientes oncológicos?
Não. Embora tenha se originado dos cuidados da enfermeira, assistente social e médica inglesa Cicely Sounders, para com um paciente oncológico, o cuidado paliativo é indicado para todas as doenças ameaçadoras de vida, como descreveu a OMS.
Destinam-se somente para adultos?
Não. Castilho lembra que, apesar de se imaginar que a morte está mais relacionada às pessoas idosas, há inúmeras doenças graves e ameaçadoras da vida que ocorrem desde antes do nascimento.
— Há situações de fetos malformados, com situações graves ou até incompatíveis com a vida — exemplifica.
Ramos destaca que o cuidado paliativo pode estar presente desde o início da vida até o outro extremo, que é a velhice.
Os cuidados paliativos tiram todas as intervenções do paciente?
Não. Castilho reforça que os cuidados paliativos não são sinônimo de eutanásia, quando se abrevia a vida, e sequer de distanásia, que é o contrário, quando se prolonga a vida às custas de sofrimento.
— Adequamos os tratamentos de acordo com os valores daquela pessoa e do prognóstico da doença. Eutanásia é ilegal no Brasil. Distanásia é quando o paciente é arrastado com aparelhos e medidas que não são capazes de trazer a vida de volta.
Ramos acrescenta ainda que os cuidados paliativos observam a proporcionalidade das medidas que são tomadas. Por exemplo, um indivíduo com um quadro extremamente avançado e sem perspectiva de tratamento curativo talvez não seja candidato a receber medidas invasivas.
— Isso não quer dizer que se destitui todas as medidas. Fazemos um olhar racional e proporcional para avaliar o que é adequado e o que não é — finaliza o médico do HSL.