"O tempo não volta; o que volta é a vontade de voltar no tempo." (Desconhecido)
Sempre gostei de autobiografias, mesmo que muitas vezes os vieses tendenciosos sejam indisfarçáveis. Afinal, quase ninguém resiste a dar uma polida na autoestima, porque nem ela escapa à fuligem do tempo.
Neste sentido, o podcast é o instrumento que a modernidade trouxe para facilitar as recomendáveis recapitulações, indispensáveis numa fase da vida em que há mais passado para lembrar do que futuro para viver.
Depois de reiteradas repetições de uma biografia, por mais vaidoso que o proprietário seja, sempre sobra a sensação de que várias vezes podíamos ter sido melhores, ou muito melhores, e percebe-se que o podcast é, subtraídas as glamorizações, uma espécie de espiada no retrovisor da memória. Se bem aproveitada, é uma ótima oportunidade de reconhecer o quanto cada conquista nossa dependeu de ajuda dos outros. E não pode ser desperdiçada a oportunidade de reconhecimento, porque nunca saberemos quantas mais teremos.
Se pudesse repetir a vida, teria agradecido mais aos amigos e parceiros que estenderam a mão.
Como sempre, uma retrospecção serena e madura é o melhor antídoto para a vaidade, cansativa e inútil. Tive essa saudável percepção ao ouvir, semanas depois, a gravação de uma entrevista, feita por dois queridões, desses que antes de prenderem o microfone na lapela, já tinham o elogio no olhar. Foi uma experiência leve e generosa, daquelas que atenuam e compensam os amuos do cotidiano, mas se tivéssemos tido tempo para ensaiar, teríamos sido mais justos. E outra vez me dei conta de que, se pudesse repetir a vida (uma pena que ela, sempre tão implacavelmente real, nunca dá essa chance), teria agradecido mais.
Mesmo consciente de que os momentos mais relevantes da nossa trajetória foram exercícios da mais absoluta solidão, ao relembrá-los fica evidente que sem muita ajuda não teríamos passado na intenção. Como essa consciência é antiga, atribuo a ela a intolerância crescente com o mal-agradecido, esse incorrigível pretensioso (não acredito que intimamente ele não saiba) incapaz de admitir que, por mais brilhante que se considere, houve momentos em que, sem alguém que lhe estendesse a mão, nada teria acontecido.
E, por óbvio, nem incluo nesse mutirão os nossos pais, esses abnegados vigilantes que por puro amor fizeram da vida deles só cuidar das nossas, para que suas crias, pretensamente maravilhosas, fossem mais felizes do que eles conseguiram ser.
Falo dos amigos e parceiros, fiéis e imprescindíveis, que sem nenhum compromisso decidiram, sabe-se lá por qual bendita motivação, que juntos iríamos mais longe. E deram-nos as mãos, e por intuição pura percebemos que delas nunca mais poderíamos soltar.