Um texto pode resgatar seu autor da obscuridade ou mantê-lo lá, indefinidamente. A segunda hipótese é muitíssimo mais frequente, e, por isso, o anonimato é o lugar mais frequentado no mundo.
Quando alguém, movido por algum estímulo generoso e desconhecido, encantado com sua própria lavra, resolve apostar na remota possibilidade de tornar-se famoso, ele tem ou devia ter a noção de que a fama pretendida é uma enorme improbabilidade. Verdade que uma parcela expressiva de autores estreantes começa escrevendo para satisfazer a si próprio, e mantém-se assim, reconhecido apenas para o círculo de parentes e amigos, o que antecipa o risco de opiniões contraditórias, somando-se às dificuldades naturais de separar os amigos verdadeiros daqueles que parecem ser, mas nada de juramento. E sempre haverá alguém que estimulado por um comentário favorável aqui, outro ali, possa ser mordido pela fantasia de tornar-se conhecido.
Ninguém pode se considerar livre desse risco, haja vista a frequência com que pessoas aparentemente maduras são consumidas por este delírio. Algumas delas, depois de um tempo e muitas consultas aos livros de autoajuda, que estimulam a ideia de que "se você não fizer por si, quem o fará?", resolvem levar a sério um projeto que machucaria menos se nunca ultrapassasse o limiar que quimera.
Esperança e birra são sentimentos pessoais e inegociáveis.
Como qualquer desistência é difícil, por que consiste em admitir o que de fato somos, alguns autores, em protesto pela sustentada condição de ignorados crônicos, resolvem persistir indefinidamente na perseguição a essa meta, que resultará ao longo do tempo na subtração de muitos pontos na escala pessoal da autoestima.
Quanto tempo pode durar essa insistência é imprevisível, por que esperança e birra são sentimentos pessoais e inegociáveis. No meio do caminho, entre os que recuam e reassumem a condição de autores exclusivos de diários pessoais, e no outro extremo, aqueles de depois de tentativas frustradas, possuídos de fúria, decidem queimar tudo o que escreveram, situam-se alguns de alma serena, que alimentam a coluna dos leitores dos jornais com textos inteligentes e bem resolvidos.
As redes sociais, desprovidas de senso crítico, o que lhes permite aceitar tudo o que alguém se proponha a postar, abriram as portas para uns tipos curiosos. Há os inconformados que esses leitores insensíveis deixem de lê-lo só porque ele não é famoso e resolvem adotar uma estratégia que se tornou rotineira nos últimos anos: tomam emprestado, sem consultar, o nome de um autor famoso e, protegidos pelo biombo da invisibilidade, ficam curtindo, com um risinho maroto, a admiração e os elogios dos tolos ludibriados.
Luis Fernando Verissimo, na sua genialidade bem-humorada, chegou a admitir que algumas vezes gostaria de ter escrito o texto que lhe atribuíram. Mario Quintana, Eduardo Galeano e Pablo Neruda são também vítimas frequentes. O problema é que o escritor escolhido para ser esse tipo improvisado de pombo-correio precisa ser conhecido, e quanto mais famoso ele for, mais detratores da falsificação estarão disponíveis.
E existirão aqueles que, por puro deboche, selecionam autores clássicos para ironizá-los com textos ridículos, como se os séculos de sucessos não os imunizassem. Mas na verdade eles, provavelmente, pretendem apenas arrancar pelo riso de um desconhecido uma frágil vingança para compensar a sua silenciosa decepção.