Os raivosos sempre existiram, com variações percentuais, em função do contexto histórico, mas sempre tendo ao outro como alvo indispensável, porque, afinal, que sentido teria uma grande raiva sem um fiel depositário?
Em todas as áreas, com as vítimas correspondentes, desfilam os raivosos, cheios de uma convicção, que nunca admitirão precária, sobre estarem certos e apesar disso incompreendidos, e desta pretensa incompreensão se abastecem para tentar dissimular a sua estrondosa mediocridade. Uma parte significativa desse contingente é formado por aqueles que, não fazendo, não toleram que os outros façam.
Como o raivoso não sobreviveria tendo raiva sozinho, ele tende a buscar companhia, procurando parceiros que indispensavelmente tenham raiva das mesmas coisas, ideias ou pessoas, e essa necessidade de compartilhar faz com que os raivosos se agrupem, e assim nascem os grupelhos e as seitas, seguidas por muitos prosélitos.
Parte significativa do contingente é formado por aqueles que, não fazendo, não toleram que os outros façam.
Para que esse tipo de comunidade se mantenha e prospere, é indispensável que haja um líder, que será identificado como aquele que sinta tanta raiva que os outros passem a temê-lo mais do que respeitá-lo, e que se afirme como um modelo inalcançável na infinita capacidade de odiar.
Não há, nas atitudes e nos gestos, nenhum indício de generosidade, porque esse sentimento, que o raivoso pensa como um sinal de fraqueza, geraria gratidão, e definitivamente, não é possível odiar a quem retribua com reconhecimento. E então, para preservar a sua raiva intacta, ele assume a antipatia como doutrina, e é melhor que todos saibam logo com quem estão lidando. Claro que essa descoberta virá carregada de uma raiva danada por não ter pensado nisso antes.
O raivoso nunca dá certo. No trabalho. No amor. Na vida. Como ele odeia o que faz, e esse rancor é via expressa para a frustração, inconscientemente ele assume a gerência da mais eficiente usina de infelicidade: a incompetência. Como é inevitável que isso seja percebido pelos seus colegas, ele se sentirá abandonado, e isso dá uma raiva! E como ninguém consegue amar a um incompetente que, além de tudo, ainda ficou raivoso, o círculo da tristeza estará fechado.
Então aconteceu. Esse tipo, que sempre existiu, mas mantinha-se limitado ao círculo restrito da sua tacanhice, descobriu a metralhadora giratória das redes sociais, e aí começou o tempo do ódio ilimitado. As agressões são tão gratuitas que, se suspeita, o raivoso escolha suas vítimas aleatoriamente, e então fica na espreita que ao menos umazinha reaja, para que ele possa descarregar nela todo o ódio que sente de si mesmo, porque apesar da arrogância, quando apaga a luz, ele se sabe insignificante.