Cada vez mais a sociedade ocidental tem abdicado das tarefas da paternidade, confessando que considera irresponsável ficar jogando criaturinhas no mundo, sem saber o que este mundo fará com elas. Muitos homens alegam não ter condições de criar filhos nas décadas recomendáveis e, adiante, ao alcançarem a estabilidade econômica, trocam o discurso e assumem que, depois de tanto esforço, parece justo que pretendam aproveitar a vida sem o peso de uma prole que demora, em média, três anos, só para aprender que comer e dormir têm hora certa.
A emancipação feminina, em muito estimulada pela competitividade no mercado de trabalho, transferiu a iniciativa da maternidade para a etapa final da fertilidade, e então, por razões biológicas, emocionais ou de simples inércia, muitas mulheres renunciam ao instinto mais antigo, o da procriação.
Não cabe nenhum julgamento, até porque cada um sabe de si, mas não resisto a pensar na solidão e na escassez de propósitos de quem envelheceu sem prole. E mais ainda, que essa desistência não envolve só a geração dos filhos, ela vai mais além, eliminando a camada seguinte de descendentes, que é a mais doce e espontânea, e que por ser maravilhosamente descomprometida da ideia cansativa de educação, não reconhece outra moeda de barganha que não seja o afeto. Dá pena pensar em quantas pessoas que disso nunca saberão.
A camada seguinte de descendentes, descomprometida da ideia cansativa de educação, não reconhece outra moeda de barganha que não seja o afeto.
Foi só no que pensava voltando de Vacaria, onde, durante três dias, acompanhei a iminência da morte da minha mãe. No pior momento, quando pareceu que o coração pararia a qualquer instante, saí do hospital acompanhado do João Pedro, meu neto mais velho, e conversamos sobre o quanto é doloroso perder uma mãe, e ainda ter que suportar as pessoas que acham que consolam alegando que tendo vivido tanto e sido bem amada, ela é um modelo de vida bem vivida, o que portanto imporia a aceitação da morte.
Expliquei a ele que essa racionalização é uma exclusividade dos que não estão emocionalmente comprometidos. A perda dos amados, independentemente da idade e circunstância, é sempre cruel, dolorosa e extemporânea. Meu gurizinho amoroso, vendo meu sofrimento, me abraçou e choramos juntos. Ele não chorava a proximidade da morte da bisavó, com quem pouco conviveu. Ele repartia, em lágrimas, a dor do avô. Um desses choros tão bons de chorar, que nos deixam a sensação de que seria uma enorme gentileza da vida se ela pudesse dar um reset e se permitisse recomeçar daquele ponto.
Três dias depois, a mãe iniciou uma melhora meio surpreendente e, depois que estabilizou, anunciei que voltaria para Porto Alegre, para operar dois casos graves, que me angustiava transferir. Foi então que o Zé Eduardo, meu neto menor, na inocência dos seus 10 anos, protestou:
— Mas então, o que adianta a gente torcer para a bisa melhorar, se daí o meu vô vai embora?
Estes presentes são a mais generosa compensação de quem arriscou espalhar genes pelo mundo e não teve medo de plantar incertezas, confiando que um dia, através deles, a vida justificaria termos existido.