No fim de um desses dias em que mesmo que fôssemos três ainda faltaria quem fizesse o que fizemos, me dei conta de que essa correria insana, por mais que pareça razoável, raramente tem cabimento. Então, quando a poeira baixou e o que podia já tinha sido feito, tive um tempo, sem pressa, para pensar no que a pressa significa.
Claro que não falo da urgência, esse tipo especialíssimo de pressa, que não oferece escolha e na qual o lerdo é um trapalhão.
Acontece que muitas vezes a pressa é apenas resultante de má administração do tempo disponível, como ocorre, por exemplo, com essas pessoas que sempre esticam o tempo e invariavelmente chegam atrasadas.
O cirurgião pode escolher seu ritmo, desde que pense rápido.
Esse comportamento explica as atitudes bizarras desses tipos que, para compensar, são agressivos no trânsito, forçam ultrapassagens perigosas, xingam os que andam em velocidade normal e, no máximo do destempero, buzinam em engarrafamentos.
Além disso, a pressa pode ser original em condições específicas. A atitude rápida e expedita, que é festejada no bombeiro e que o transforma num herói, levada para o sexo produz um paciente cujo tratamento tem a responsabilidade de salvar uma ameaçada relação amorosa.
Em cirurgia, em tempos de anestesia precária, a rapidez do cirurgião era considerada um fator de qualificação técnica. Atualmente, segue relevante a importância da destreza, mas com os recursos disponíveis para assegurar a estabilidade hemodinâmica durante todo o intraoperatório essa premência não só diminuiu, como permitiu observar que a pressa cirúrgica pode ser um elemento associado à maior frequência de sangramento.
Numa publicação recente do Colégio Americano dos Cirurgiões, alguns veteranos que marcaram a história da cirurgia nos últimos 50 anos, são categóricos ao afirmar que o cirurgião pode escolher seu ritmo, desde que pense rápido. O que é fundamental diante de achados imprevistos, que aliás tornam a prática cirúrgica tão desafiadora e estimulante.
Quando o Evaldo, um velho paciente que eu adoro, sugeriu que, a julgar pela pressa com que os médicos atendem nos nossos ambulatórios, parecia razoável a abertura de novas vagas nas Faculdades de Medicina, considerando que parecíamos estar sobrecarregados, fiquei constrangido de explicar que essa incapacidade de ouvir era muito mais séria e não se devia a escassez de profissionais, mas à falta de noção dos fundamentos básicos da arte do cuidar _decorrente, na maioria dos casos, de inversão das prioridades, que devem reger a atitude empática do médico verdadeiro, que humaniza a quem oferece e encanta a quem recebe.
Nas relações humanas, em geral, a pressa quase invariavelmente revela desconsideração. Isto pode ser constatado num simples encontro social com algum conhecido de quem pretensamente se tenha saudade. Se não houver uma explicação urgente e transparente para a evidência de tal pressa, o sentimento de desconsideração será inevitável e instantâneo.
E, claro, ninguém precisará ser muito intuitivo para prever a intensidade da aversão se o pano de fundo desse conflito de afetos for o encontro médico/paciente, em que o lado mais frágil da relação amargará essa desconsideração multiplicada pela sensação de abandono. Então, é melhor se acostumar com a ideia de que o paciente que se afastou com essa sensação não retornará.