A capacidade de adaptação dos animais é determinante da qualidade de vida, e, para muitos deles, ao longo dos séculos, foi determinante para a sua sobrevivência.
O homem, que além do instinto comum às outras espécies, ainda tem a inteligência, aprendeu a arte da dissimulação de modo a ser poupado, por pudor ou escrúpulo, de limitações físicas ou emocionais que revelem alguma fragilidade.
A propósito, qualquer condição que gere no portador a sensação de inferioridade em relação aos seus pares deve significar o direito à ajuda, dentro do moderno conceito global de saúde.
Até 2% da população branca nos EUA têm hiperidrose, ou seja, a tendência a suar desproporcionalmente. Mãos, pés e axilas são os locais mais afetados. Existem vários tratamentos alternativos, inconstantes, caros e fugazes, e há a simpatectomia torácica, um procedimento ambulatorial definitivo, feito por vídeo, em que se secciona uma cadeia de glândulas que cursam junto à parede interna do tórax, e que são responsáveis pela regulação do suor em diferentes regiões do corpo.
Cerca de 50% dos pacientes operados referem um período de suor compensatório nas costas e na barriga, às vezes nas pernas, que desaparece depois de algumas semanas. Nos pacientes com sobrepeso, esse para-efeito pode persistir e, em função disso, esses indivíduos são incluídos nas contraindicações. O índice de satisfação dos pacientes, aferido pela afirmação de que repetiriam o procedimento é, em todas as séries, maior do que 95%.
A maioria dos pacientes tem entre 15 e 20 anos, porque é nessa fase da vida que aumentam as chances de interações físicas da juventude, o que implica em constrangimento pela descoberta da disparidade. Como era de se prever, há um perfil comum nessa população: são jovens tímidos, retraídos, envoltos por uma blindagem de antipatia protetora, de quem não tem a menor intenção de distribuir apertos de mãos suadas ou de oferecer abraços calorosos com axilas empapadas.
Mas voltando ao início desta crônica: que maravilhosa a capacidade de sobrevivência dos humanos!
Sem nenhuma exceção, todos os pacientes com hiperidrose acabam desenvolvendo alguma estratégica de dissimulação para que os outros não percebam seu problema. E, muitas vezes, a própria família desconhece a extensão do sofrimento, que se pode avaliar pela pressa com que eles querem ser operados, depois que descobrem que há solução. Mas, antes disso, cada um convive do jeito que dá, com muita criatividade e uma dose enorme de irresignação. Uma psiquiatra me pediu que lhe secasse as mãos, porque estava cansada do falso carinho de beijar a quem preferia não fazê-lo. Uma garotinha de 15 anos tinha sido banida de uma escola de música porque, mesmo com o cuidado de ter sempre uma toalhinha à mão, o sal do suor emperrava o piano. Enquanto o Gilmar, reconhecendo que suas mãos geladas e úmidas eram apêndices anti-eróticos nas preliminares, não abria mão de sexo no chuveiro.
O Serginho, na adolescência, apanhava do padrasto porque não conseguia terminar as provas, pois com a sudorese agravada pela ansiedade borrava tudo. Contou-me esta história quando veio consultar com 21 anos, decidido a ser operado o mais rápido possível “porque precisava começar a viver!”. Quando comentei “que sorte teu padrasto ter mudado de ideia”, ele respondeu com desconsolo: “Aquela anta não mudaria nunca. Ele só fez o favor de morrer!”.
Aquela frieza era a expressão pura de um ódio construído pela contínua desconsideração do sofrimento. Conversem com sofredores crônicos, e descobrirão que poucas vinganças têm igual solidez.