Duas coisas impressionam mais do que o quanto mudamos em razão da pandemia: a rapidez com que nos transformamos em seres cibernéticos e a euforia com que assimilamos essas mudanças.
Não há reunião das Academias que frequento em que não se comemore os fantásticos benefícios das modernas plataformas digitais que permitem colocar algumas centenas de participantes em salas virtuais, ocupadas, na era presencial, por três a quatro dezenas de confrades que tinham uma mania estranha de sorrir e abraçar. Outra descoberta fascinante foi a possibilidade de trazer, semanalmente, para o nosso “convívio” pessoas do outro lado do mundo, cujas presenças outrora significavam investimentos, que exigiam patrocinadores, e a organização dos nossos congressos anuais, de tão complexa, justificava a contratação de agentes especializados em acomodação e logística.
De repente, do nada, um ser (?) acelular chega sem ser convidado, vira para baixo o mundo e as nossas cabeças, e aprendemos que tudo o que precisamos para encher o monitor com alguém famoso, numa determinada área, é que um seu amigo na Academia faça uma chamada pelo WhatsApp (menos invasivo e a custo zero) e o convide para participar em alguma gloriosa quinta-feira do futuro próximo.
A euforia dos gestores com a telemedicina é compreensível. Mas deprime ver o entusiasmo de alguns simulacros de médico, que nunca gostaram de gente.
Um dia desses, alguém questionou quantas semanas mais precisaríamos para voltar às nossas reuniões presenciais, e uma voz se levantou para propor que o melhor seria que considerássemos essa hipótese apenas para o próximo ano. O número de apoiadores foi tão maciço, que a ponderação de, quem sabe, organizarmos ao menos reuniões híbridas não passou de um sussurro.
Tudo parecia naturalmente festejável aos olhos da nossa geração, essa que já alcançou o que pretendeu ser. Foi quando começamos a discutir a formação dos jovens que ainda nem têm ideia de que médicos serão. E, naturalmente, o quanto a novidade os fará felizes, porque este objetivo nenhuma pandemia mudará.
E então, correndo todos os riscos de ser considerado jurássico, anuncio minha convicção: não é possível aprender a ser médico só com monitores coloridos. Os planos de saúde defendem, encantados, a telemedicina como a forma mais moderna de atendimento médico, o que é compreensível do ponto de vista empresarial face ao baixo custo, mas impensável se considerarmos as necessidades afetivas básicas de alguém fragilizado pela doença e que, no seu desespero (as pessoas normais têm isso, de desesperar quando adoecem), nunca aprenderão a abraçar um computador que, previsivelmente, quando mais sofisticado, também recusará esta intimidade.
A euforia dos gestores é compreensível, afinal, empresários não foram treinados para estratégias de benemerência nem têm noção do que isso queira dizer. Mas deprime ver o entusiasmo de alguns simulacros de médico, que nunca gostaram de gente, e agora veem a oportunidade de se livrarem desses “chatos, que ficam insuportáveis só porque adoeceram”, mantendo-os à distância, e separados apenas por um clique libertador.
A telemedicina é um recurso maravilhoso, que permite dissipar dúvida, orientar pacientes antigos, discutir situações específicas com colegas de especialidade, solicitar exames e avaliar resultados, mas ela falha estrondosamente na oferta de um sentimento indispensável na relação entre duas pessoas, estando uma delas assustada: a compaixão. E sem este sentimento, que nenhuma máquina conseguirá reproduzir, ficaremos alijados do seu subproduto mais nobre: a gratidão.
Com essas duas perdas, nada nos distinguirá de uma máquina. Que pode ser genialmente construída, mas que será sempre e apenas isso: uma máquina.
Talvez seja adequado inquirir os pacientes sobre qual tipo de máquina eles escolheriam. Ou, de tão deslumbrados, até esquecemos que a opinião deles é a mais importante na seleção do modelo?