Quantos ingredientes compõem o kit de sobrevivência diante de uma doença grave? Ninguém responderá a essa questão.
Era uma tarde fria do inverno de agosto, e a sigla do nome agendado na ficha do consultório era I.C.E., um garoto de 23 anos. Então, entrou na minha sala uma senhora, elegantemente vestida, com uma sacola de exames do I.C.E., e ele, por razões que eu desconhecia, não estava.
"Boa tarde, prazer em recebê-la", eu disse, e no final dessa frase ela se antecipou: "Doutor, deixe-me lhe pedir que eu conduza o início da nossa conversa, porque não estou me aguentando de curiosidade pela sua resposta. O senhor aceitaria, para transplantar o pulmão, um paciente com o fungo aspergillus no escarro?".
A tentativa de diálogo que se seguiu foi uma sucessão desesperada de soluços e prantos.
Meio desconcertado com a premência da pergunta, me ative ao assunto: "Não consideramos a presença dessa infecção como uma contraindicação absoluta, a menos que o paciente tenha uma sinusite pelo mesmo fungo e não se consiga erradicá-lo dos seios da face antes do transplante".
A tentativa de diálogo que se seguiu foi uma sucessão desesperada de soluços e prantos.
Com diagnóstico de fibrose cística na primeira infância, I.C.E., filho único de uma família muito rica do Sudeste, passou a ser acompanhado numa clínica especializada em Boston, para onde viajava duas a três vezes por ano, para reforços de tratamento.
Quando completou 18 anos, foi encaminhado para uma famosa clínica no Centro-Oeste americano, depois de informado que a clínica de Massachusetts não tratava adultos. Mudou o endereço, mas não a rotina de internações trimestrais para cursos intensivos de antibioticoterapia venosa.
E então, na última visita, depois de revisar os exames, o coordenador do grupo comunicou-lhe um achado grave: crescera um fungo (aspergillus) no exame de escarro. Depois de uma pausa premonitória, anunciou: "E o significado disso é definitivo: o senhor não mais poderá ser transplantado, porque isso significaria um risco aumentado no pós-operatório".
Quando I.C.E. conseguiu falar, saiu uma súplica: "Mas, por favor, eu aceito qualquer risco!".
E então o golpe fatal, que nunca entendi por que chamam "de misericórdia": "Meu jovem, deixe-me explicar uma coisa que o senhor não tem obrigação de saber. Não é por acaso que o nosso serviço detém há oito anos a posição de melhor índice de sobrevida em transplante de pulmão, nos EUA. E sabe por quê? Nós não fazemos concessões nos nossos protocolos. Aqui, o senhor não será transplantado".
E sem espaço para "I am so sorry!", a consulta terminou. E com ela o fim da esperança. Voltaram para casa, e a mãe assistiu ao filho desistir da vida. Recusando banho, comida ou fisioterapia, morreu em três semanas.
A desesperança fora muito mais letal do que um mísero fungo conseguiria ser.
E a pobre mãe viajara sozinha para, numa retrospecção dolorosa e inútil, descobrir como talvez pudesse ter sido, e com isso involuntariamente multiplicar a dor da perda do seu único filho. Que maior já não podia ser.