O condicionamento humano à prática da esperança é surpreendente na saúde e comovente na doença. A nossa relação com a esperança na vida cotidiana é muitas vezes ilógica e envolve escolhas absurdas, resultando em frustrações que quem olhasse à distância as consideraria previsíveis. É assim na vida sem propósito definido, nos empreendimentos que exigem determinação e coragem indisponíveis, nas relações pessoais com afeto comedido e nas promessas sem convicção.
E tudo se repete nas expectativas irracionais de que os toscos, quem sabe se comovidos pela dor dos outros, mostrem alguma empatia, que os jovens um dia se convençam que os velhos sabem mais por mais terem vivido, que os corruptos com currículo riquíssimo tenham um surto inesperado de decência, a até que ex-atletas com históricos brilhantes sejam milagrosamente ressuscitados para salvar nosso time e justificar o esforço de quem os contratou a peso de ouro.
Quando o exercício da frustração se generaliza, minando a alegria que tem geração espontânea na esperança de que tudo vai melhorar, de repente nos descobrimos tristes. E de tanto não dar certo, nos deprimimos.
Mesmo que o portador tenha noção do quanto a sua vidinha é monótona e chata, outra não lhe restou, por falta de sorte ou preguiça.
Nada de surpreendente que a letargia se transforme nessa doença inominada que enruga a pele, retira o brilho do olho, diminui a libido, produz dores itinerantes, coloca cabelos onde não têm utilidade, encurva a coluna e aumenta o perímetro abdominal.
O quanto esse estado de espírito é classificável como doença depende dos critérios e das exigências de quem os acolhe, e com que tolerância. A maioria das pessoas, pachorrentas na mesmice, agradeceria se as pessoas simplesmente não se importassem tanto com elas, ou seja, que parassem de chatear.
Um degrau acima nesse conflito entre o que nos enfara sem ameaçar-nos de verdade e a descoberta súbita, e sempre sentida como extemporânea, de uma peste qualquer que possa por um fim à nossa vida muda tudo. Porque, afinal, mesmo que o portador tenha noção do quanto a sua vidinha é monótona e chata, outra não lhe restou, por falta de sorte ou preguiça.
Também por isso, quando uma doença grave dá as caras, fé, promessa e esperança se misturam tanto que até a espera de um milagre parece bem razoável. Ou como me disse um ranzinza: "Claro que acredito em milagre, porque, se não, como explicar tanto santo por aí, se precisam de dois ou três milagres para canonizarem o vivente?".
A Marina tem um tumor enorme entre os pulmões, inoperável a menos que tenha uma resposta incomum à combinação de químio e radioterapia. Com o início do tratamento e aparente redução da lesão, o discurso adensou: "Minha relação com Deus ainda vai produzir surpresas maravilhosas. Pode crer".
Que Deus nos ajude para que a certeza esperançosa que Ele plantou se confirme.