"Alguns nascem grandes, outros alcançam a grandeza, e uns poucos têm a grandeza". (William Shakespeare)
Algumas pessoas, claramente, nasceram para serem grandes, enquanto outras, muito mais numerosas, se conformam em serem pequenas. Mas quando elas se encontram, naquele instante serão iguais, principalmente se o tamanho delas for determinado pela métrica do imponderável e do medo.
Ainda que abundem os soberbos e os empinados, com uma autoestima tão insuflada que lhes garanta a justificativa de gostarem de si como se fossem o que aparentam, existe um território que nivela os comportamentos, extinguindo a arrogância e a prepotência: o do sofrimento.
O dia da descoberta da finitude não escolhe classe social para se tornar inesquecível.
Não o desconforto banal, por uma incomodação boba, mas o sofrimento pela descoberta da finitude. Nesse dia, que não escolhe classe social para se tornar inesquecível, é rotina que o pretensamente mais importante se revele mais carente e frágil, como se vida sofrida tivesse produzido anticorpos de coragem e resiliência em seu parceiro circunstancial de infortúnio.
Numa roda de café, mostrando que a medicina não cansa de surpreender mesmo aos médicos mais experientes, essa questão tinha sido trazida por um cirurgião de trauma que atendera as vítimas de um acidente com queda de um pequeno avião, que vitimara o piloto e colocara os dois passageiros sobreviventes — patrão e empregado — na mesma sala de pronto-atendimento.
Ambos com fraturas nas pernas, ilustraram a máxima que determina que somos iguais na alegria, mas na adversidade cada um terá a sua fórmula, pessoal e única, de sofrer.
A julgar pelos suspiros contidos do Romeu e a gritaria chorosa do patrão, os centros da dor dos portadores das quatro pernas quebradas produziam reações tão contrastantes, que poderiam levar um leigo a supor que talvez os giros rápidos na quadra de tênis tivessem (vá saber por qual mecanismo!) hipertrofiado as terminações nervosas nas pernas de um, e que o caminhar trôpego nas trilhas da roça embotara no outro.
O tímido protesto do Romeu veio como um apelo: "Patrão, acho que gritar não ajuda na dor, e se a gente ficasse quieto e deixasse essa injeção funcionar, podia ser que desse até pra dormir um pouco".
Essa declaração, quebrando a hierarquia feito pernas, exauriu a reserva de desassombro e coragem do autor, que em seguida caiu em sono profundo.
Quando iniciaram as remoções para um hospital especializado, o Romeu mostrou toda a sua humilde praticidade e subserviência:
"Levem o patrão primeiro. Esse é um homem bom e tem sido um pai pra mim. Se ele morrer, eu não sei o que será desta filharada que arrumei pra mim. Mas se eu morrer, ele saberá".