A recondução de Rodrigo Pacheco à presidência do Senado para o biênio 2023/2024 ofereceu, dentre tantas leituras possíveis, uma demonstração de como as engrenagens do poder operam no Brasil da atualidade. O senador eleito por Minas Gerais sofreu, em sua primeira gestão, intenso questionamento popular por sua inabalável omissão ante os abusos de poder praticados por ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas se manteve impassível. Aos milhares de brasileiros que lhe escreveram cobrando motivos para a inação, sua resposta foi fechar os canais de interação com o público, com a tranquilidade de quem estava em meio de mandato e, portanto, não teria de se submeter ao julgamento do eleitor em 2022.
Seguiu em frente, isto é, inerte. Decidiu jogar parado, fazer golpe de vista à acelerada desidratação do Congresso Nacional como o principal poder da República e dar passagem à transformação de uma corte sem votos – e por isso sem freios – em um superpoder que cassa, prende, solta, embarga, interpela, nega, concede, impugna, investiga, engaveta, legisla e executa sem prestar contas a ninguém. Nem ao Senado, a única instância que pode deter um ministro do STF inebriado pelo poder desmedido, de acordo com a Constituição brasileira. Pacheco barrou tentativas de convocação de ministros da suprema corte. Permitiu convites, e aceitou, calado, que reiterassem na decisão de não comparecer e não justificar a ausência, enquanto flanavam por eventos de lobby no exterior – uma indecência ignorada pelo Conselho Nacional de Justiça. Que, para surpresa de ninguém, é comandado pelo STF.
A tudo, Pacheco se comportou com pachorra. Raro surpreender o chefe do poder legislativo em um momento de espontaneidade: o terno impecável, o tom de voz solene , a expressão blasé e o recurso a clichês e outros subterfúgios do discurso vazio foram descortinando o perfil de um homem de cálculo, o que, na advocacia, é um trunfo. Imagino que seu projeto não seja o de sujar-se em estradas poeirentas à cata de votos, e sim o de libertar-se desta sina para tornar-se, ele próprio, um ministro do Supremo Tribunal Federal. Estará em casa. Tive, muitas vezes, a impressão de que o STF presidia o Senado e, consequentemente, o Congresso Nacional. Tal impressão não se desfez, tampouco arrefeceu, quando eu ouvi Pacheco pronunciar seu discurso de vitória na noite de quarta-feira. Agora, é uma certeza: os senadores e os congressistas estarão nas mãos, e sob os cordéis, da mais política e facciosa composição que a suprema corte brasileira já teve.
É um cenário sombrio para quem esperava que o Senado acordasse de sua letargia e chamasse os ministros do STF à responsabilidade. A Constituição brasileira, ou o que resta dela, continuará a ser profanada pelo tribunal que deveria defendê-la. O devido processo legal e outros pressupostos do estado de direito se tornarão imprecisos. Existirão, claro, mas a meu ver como arma política. Conforme o CPF do investigado, ou a “capa do processo”, a lei pesará contra o cidadão – ou lhe será benevolente.