Em 1984, um grupo de jovens de Porto Alegre percebeu que o país vivia uma transição de ciclo. A redemocratização estava a caminho, mas a volta de eleições diretas, embora fundamental, não era suficiente para conduzir o Brasil a um futuro de prosperidade econômica e social. Puseram-se a discutir como dar potência a preceitos que virassem a página de um país até então marcado por governos paquidérmicos, clientelistas e, por definição, ineficientes. O brain storm resultou na fundação do Instituto de Estudos Empresariais, um think tank de defesa das ideias liberais.
A entidade trouxe duas contribuições de vanguarda. A mais interessante, a meu ver, é a norma estatutária que fixa mandatos curtos e impede a reeleição. O primeiro presidente do IEE ficou um ano no posto e passou o bastão. E assim ocorre, há 38 anos: cada presidente dedica parte de seus 12 meses de gestão à formação de novos líderes e de quem o(a) sucederá. Um choque permanente de renovação.
A segunda e não menos importante iniciativa foi a criação do Fórum da Liberdade, em 1988. “O exercício da liberdade – praticado de acordo com a ordem jurídica e constitucional – sempre foi e continua sendo a melhor maneira de incentivar a produção, a competência, o progresso e o bem-estar coletivo”, disse Carlos Biedermann ao abrir o segundo dos fóruns que reuniriam em Porto Alegre chefes de Estado e personalidades do Brasil e do Exterior, entre eles ganhadores do Prêmio Nobel.
Eis o ponto: ordem jurídica e constitucional. O que temos, hoje, é um assustador retrocesso no princípio da separação e independência dos três poderes. Se em meados dos anos 1980 o desafio era combater a hipertrofia do poder executivo, tarefa razoavelmente simples à luz dos abundantes exemplos de nações bem-sucedidas, agora o pêndulo da força incontrastável se moveu para os ministros da Suprema Corte, que atuam no campo legislativo e, também, do executivo, como bem querem e sem que cláusulas constitucionais, incluindo as pétreas, lhes causem embaraço. É um poder absoluto e embriagador, como todo poder absoluto, porque seus ministros são vitalícios, livres do julgamento do voto popular. O Senado, casa legislativa com competência para removê-los, ajoelha-se porque o Supremo Tribunal Federal também tem a última palavra sobre processos que envolvem senadores. A Câmara dos Deputados está inerte, pela mesma razão do Senado. Medo.
O Ministério Público, que o Constituinte de 1988 fortaleceu para fiscalizar o cumprimento da lei, o que implica proteger o cidadão de um Estado autoritário, desapareceu, como já sabem jornalistas, empresários, economistas e todos – incluindo um chefe indígena – que sofreram medidas restritivas, inclusive prisão, e são mantidos em processos que mais parecem masmorras jurídicas, sem direito ao devido processo legal e à ampla defesa.
Como redemocratizar o país e restaurar a liberdade e o império da lei? Inacreditavelmente, o Brasil volta a se defrontar com o cenário que mobilizou os jovens de ideias liberais quase 40 anos atrás.