Estimulado pela atenta e fidedigna resenha elaborada por Fernando Goldsztein e publicada em GZH no último dia 14, reabri meu exemplar de Um Certo Mr. Elbling sem guiar, de modo algum, a leitura. Deixei o acaso abrir as páginas para mim. Por que, não sei. Talvez efeito de um desejo de construir sentido sobre o aleatório, ou uma forma de pensamento mágico que, imagino, acometa a pessoa que busca, nos búzios, alguma predição ou mensagem, o que nunca foi o meu caso. Mas o fato é que aquele folhear aleatório me trouxe passagens da vida de Joseph Elbling carregadas de sentido para os dias atuais.
As ondas do Mediterrâneo prestes a engolfar o barco que ele já não conseguia domar, a morte à espreita de toda sua família a bordo, a salvação inacreditável à custa de um braço fora do lugar, seu pedido para que o médico fizesse seu trabalho corretivo sem aplicar anestesia. Lembro que eu perguntei a ele por que escolhera sentir dor, e ele respondeu que era uma forma de lidar com o sofrimento. Que desde a leitura de Guerra e Paz, na juventude, passara a agir assim. A insistência para que fosse mais específico resultou numa resposta que me fez emudecer.
– Acho que a dor faz parte da vida.
Remoí esta lembrança por algum tempo, tentando compreender o alcance desta sentença para uma geração hedonista, e apegada aos seus confortos. Não atinei com nada, até abrir o livro outra vez e cair em um parágrafo sugestivo – “Poupar, e viver frugalmente”.
É quando o homem que amealhou fortuna vivendo e trabalhando em sete nações diz que se considera privilegiado por ter vivido a dureza dos tempos de guerra, garoto ainda, ao lado dos pais e do irmão, Jack. A dificuldade ensina muito mais que a abundância, disse-me ele, com humilde, sincera assertividade. Ele sempre teve a certeza de que a fartura deseduca. Deseduca indivíduos, deseduca famílias, deseduca empresas. Por isso, impôs-se uma vida de frugalidade e retidão de princípios.
Por falar em princípios, foi exatamente onde eu caí quando, pela terceira vez, desembaralhei as páginas. Estava ali um tópico, “13 Pontos de Joe”, que pareceu escrito para a semana de estupor e aflição na bolsa de valores brasileira e no olimpo da alta gestão empresarial.
Deixei as cartas, isto é, as páginas, falarem mais uma vez. É 1976, e Joe está se despedindo da Farrand Controls (EUA), a cabeça já em Gravataí. É o fim de uma longa carreira executiva internacional e o nascimento de um empreendedor do outro lado do Atlântico. Clair Farrand tinha um único conselho a dar a seu vice-presidente, já de malas prontas para deixar o Hemisfério Norte.
– Joe, good luck in Brazil and...
– And…?
– Don´t lose control. Never.
Uma regra cuja maior ou menor observância contribui para a transformação de um banheiro/vestiário do Distrito Industrial de Gravataí em uma sólida empresa de tecnologia. Ou para o colapso de uma quase centenária gigante do varejo.