Naira Hofmeister, Especial
A decisão da China de suspender as importações agrícolas provenientes do Estados Unidos, anunciada na segunda-feira (5), teve impacto imediato no mercado brasileiro de soja. A comercialização cresceu tanto em volume quanto em preços, favorecida pelo câmbio e pelo aumento dos prêmios pagos no embarque do produto.
No Rio Grande do Sul, o novo e mais tenso capítulo da guerra comercial entre os países foi responsável por um pico de vendas da oleaginosa: 200 mil toneladas apenas na segunda-feira, o maior volume em trintas dias.
— Isso significou mais ou menos R$ 250 milhões, apenas em um dia no Estado, é muito expressivo — calculou Antônio Sartori, analista da Brasoja Corretora de Cereais.
Apesar do entusiasmo que os números podem sugerir, não é nas lavouras que está o produto com maiores chances de se beneficiar do enfrentamento entre os gigantes do comércio internacional.
— Com a peste suína, é setor de carnes que tem a maior oportunidade — avalia o Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio.
Apetite chinês por carne suína
O rebanho de suínos chinês está comprometido pela doença, cujos focos vêm sucessivamente estourando em diferentes regiões do país desde agosto do ano passado. Por isso, as importações de soja — a base do alimento dos animais —, reduziram significativamente. As compras chinesas em maio reduziram 24% em relação ao mesmo mês no ano passado, seguindo tendência de queda brusca verificada a partir do final de 2018.
Enquanto isso, a preferência do paladar chinês por carne suína manteve o mercado aquecido.
— É o arroz com feijão deles, não tem como substituir — anota Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Não por acaso, os suínos figuram entre os principais itens da pauta de exportações norte-americanas para o país asiático. Em 2017, antes da guerra comercial, a China comprou dos EUA US$ 19,5 bilhões na área agrícola, principalmente soja, laticínios, sorgo e suínos. Mas em 2018, os efeitos da disputa fizeram o volume cair para US$ 9,1 bilhões.
Processo para habilitação de frigoríficos acelera
O cenário da disputa comercial entre as duas superpotências já vinha fortalecendo os produtores brasileiros, que assumiram o posto de maiores fornecedores de carnes para a China — mais da metade das vendas externas de proteína animal do Brasil já tem como destino o gigante asiático. Mas o novo capítulo deu impulso extra ao negócio porque acelerou o processo de habilitação de novos frigoríficos para a exportação, uma demanda antiga do Brasil.
Em novembro do ano passado, mesmo tendo feito vistorias em novas plantas nacionais, os chineses não deram prosseguimento ao processo de habilitação, coisa que agora se tornou urgente:
— A situação deles é tão dramática que as vistorias foram feitas por videoconferência, algo inédito — assinala Carlos Cogo.
Cautela com volume
Atualmente, o Brasil tem 49 plantas de abate de aves e suínos habilitadas para exportação para a China.
— E há mais de 70 aguardando habilitação. A promessa dos chineses é habilitar em torno de 30 frigoríficos, incluindo bovinos — compara Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Essa disputa envolve um capital político muito grande, então a gente não comemora muito. Amanhã ou depois eles podem muito bem partir para uma negociação que solucione tudo
FRANCISCO TURRA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL (ABPA)
Apesar do cenário favorável, os produtores de proteína animal brasileiros estão cautelosos.
— A China está abdicando da importação de um país que tem exportações anuais de 2,5 milhões de toneladas. O Brasil tem condições de suprir, no máximo, 1 milhão desse total — calcula o presidente da ABPA.
A redução na oferta tenderia a elevar os preços no mercado chinês, motivo para animação. Em contrapartida, a peste suína tem levado produtores asiáticos a abaterem precocemente seus plantéis saudáveis temendo a contaminação, o que pode levar a uma superoferta interna — outra razão para manter certa precaução e conter a euforia.
Componente político da crise gera incertezas
O principal motivo de incertezas entre produtores e analistas, no momento de projetar os impactos da medida sobre o agronegócio brasileiro, é o fator político. O atual capítulo da crise teve início com um anúncio inesperado de Donald Trump, de que taxaria todas as importações chinesas a partir de setembro — ele já havia imposto uma medida sobre US$ 200 milhões em produtos do gigante asiático, e dessa vez, contrariou orientações de sua equipe econômica, que advogava por uma saída negociada entre ambas nações.
A China respondeu com a suspensão das importações e a cotação do yuan baixou ao menor patamar desde 2008, levando os Estados Unidos a acusarem o gigante asiático de manipular o câmbio para favorecer seu setor produtivo.
— Essa disputa envolve um capital político muito grande, então a gente não comemora muito. Amanhã ou depois eles podem muito bem partir para uma negociação que solucione tudo — observa Turra.
Falta marco institucional
Sem acordo comercial entre as duas superpotências, é impossível prever os limites a que podem chegar seus mandatários na briga pela hegemonia.
— Não existe um marco ao redor do qual se pode montar uma estratégia e fugir de medidas desproporcionais, que os dois lados estão tomando — lembra Adriana Abdenur, membro do comitê de políticas de desenvolvimento da ONU.
Diante dessas incertezas, a aposta dos produtores de soja é diversificar mercados.
— Toda a soja que não é beneficiada no Rio Grande do Sul vai para a China. Essa dependência é negativa — acredita Luís Fernando Fucks, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS).
A entidade, que tem representação em todo o território nacional, tem liderado missões em outros países da Ásia, como o Vietnã, e acredita no potencial de negócios com a Índia.