Toca, direita, esquerda, devagar, deita, vem aqui e olha para trás. Cinco repetições dessas palavras são suficientes para o cão da raça border collie ser capaz de obedecer a comandos de voz do produtor e fazer sozinho o pastoreio de rebanhos ovinos e bovinos. Considerado o cachorro mais inteligente do mundo, o animal ganhou espaço em propriedades gaúchas nos últimos anos – quando o número de pessoas ocupadas no campo chegou pela primeira vez a menos de um milhão. Com treinamento adequado, o ajudante de quatro patas consegue substituir o homem a cavalo e conduzir até 200 ovinos e 70 cabeças de gado – tendo o dono distante até 500 metros, nesse caso comandado por meio de apito.
Na última década, o meio rural gaúcho perdeu 248 mil trabalhadores, cerca de 20% do total – possivelmente atraídos por oportunidades na cidade. Os números do Censo Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), retratam um campo cada vez mais esvaziado.
Com apenas um funcionário, o produtor Itamar Pereira introduziu o border collie na propriedade em Vila Nova do Sul, na região da Campanha, há pouco mais de um ano. Inicialmente, para ajudar no manejo diário com 60 ovinos das raças corriedale e suffolk. Aos poucos, a ideia é introduzir no pastoreio do gado – são 170 cabeças da raça braford.
– É muito difícil encontrar mão de obra qualificada no meio rural, especialmente para trabalhar na pecuária. Os campeiros antigos estão acabando – relata o produtor.
No total, a propriedade soma três cachorros da raça, dois de 24 meses e um com seis meses, que começou a ser familiarizado com a lida campeira.
– O primeiro ano de vida do border collie é da socialização, quando ele deve ser levado para passear de carro e ter contato com diferentes pessoas – explica Sami Mahfuz Neto, instrutor do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS).
O curso de adestramento de cães de pastoreio para manejo de rebanho é oferecido pela entidade há seis anos, sempre com o border collie – justamente pelas características diferenciadas do animal. Além da destreza e facilidade no aprendizado, o cachorro tem a vantagem de quase não latir – um dos preceitos do bem-estar animal na pecuária.
– As capacidades do border collie ainda são pouco conhecidas entre os produtores no Brasil, se comparado a países como Nova Zelândia e Alemanha, onde os animais são difundidos como instrumento de trabalho – explica o instrutor do Senar.
A aptidão da raça ao serviço facilita a condução do animal no campo, acrescenta Luiz Antonio Scotti, médico veterinário e estudioso do comportamento animal:
– São muitos anos de seleção genética voltada ao pastoreio.
Na Fazenda São Pedro, criatório da raça que abriga cursos de treinamento do Senar em Eldorado do Sul, 50% dos clientes são de propriedades rurais que buscam os animais para pastoreio.
– Hoje, a demanda é maior do que a oferta. Tenho pedidos aguardando o nascimento de filhotes – conta Carla Krebs, presidente do Departamento Border Collie no Estado da Confederação Brasileira de Kennel Clubes.
A crescente procura pelo animal como ferramenta de trabalho levou o Banrisul a fazer análise para incluir a aquisição do cão no crédito agrícola. Hoje, não há nenhuma linha específica dentro dos programas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para esse fim.
– Estamos estudando a possibilidade de criar linha de crédito com recursos próprios do banco, levando em conta a necessidade do produtor – revela Moisés Carlesso, analista da unidade de crédito do Agronegócio do Banrisul.
Curso inclui aulas teóricas e práticas
O treinamento de um border collie para tomar conta do serviço no campo pode levar de seis a sete meses. Após o primeiro ano de vida, o cachorro já pode começar a ser preparado para a lida diária. O curso de adestramento de cães de pastoreio para manejo de rebanho do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS) inclui aulas práticas e teóricas. Em seis anos, cerca de 350 produtores e funcionários de fazendas participaram da capacitação em diversas regiões do Estado.
– Sem treinamento adequado, do produtor e do animal, a capacidade de pastoreio pode cair para apenas 20% – explica Sami Mahfuz Neto, instrutor do Senar-RS.
Após as aulas teóricas, os alunos são levados a uma mangueira, onde o cachorro é conduzido inicialmente por uma guia, em um processo de sensibilização com o rebanho. À medida em que se acostuma com o ambiente, começam a ser introduzidos os primeiros comandos de voz.
Passada essa parte, em que o cão é treinado próximo do produtor, vem a fase final: o uso do apito a uma distância de até 500 metros. Cada silvo, com sons variados, representam uma ação. Ao final do treinamento, o cachorro controla os animais pelo olhar, com o rabo abaixado e quase rastejando.
Estudante de Veterinária e funcionário de uma cabanha em Butiá, na região metropolitana de Porto Alegre, Rafael Machado, 23 anos, fez o curso neste mês. Na propriedade onde trabalha ao lado do pai, três cães da raça ovelheiro gaúcho (leia mais abaixo) já ajudam na criação de 680 bovinos e 200 ovinos.
– Mas agora estamos apostando no border collie, principalmente pela questão do bem-estar animal, uma preocupação nossa e também da sociedade em geral – afirma Machado, que tem um cão com 10 meses.
A introdução da raça na propriedade rural é para possibilitar um futuro aumento do rebanho, sem a necessidade de contratação de funcionários, que hoje somam cinco. Bem treinado, um border collie consegue trabalhar no pastoreio até os 11 anos de idade.
Origem e custo
- O border collie surgiu nas regiões da Inglaterra e da Escócia, onde era necessário que cães subissem montanhas, onde os cavalos não conseguiam chegar, para trazer o rebanho de ovinos de volta.
- Os primeiros exemplares chegaram ao Brasil há cerca de 20 anos.
- Embora a aptidão natural da raça seja para o pastoreio de ovinos, pode também ser adaptada para o trabalho com gado.
- Um filhote custa em média R$ 2 mil. Um animal já treinado varia de R$ 5 mil a R$ 15 mil, dependendo da linhagem.
- O curso de treinamento do Senar é gratuito. Informações em (51) 3215-7500.
Outras raças com aptidão ao pastoreio
Ovelheiro gaúcho
Originário do pampa no Rio Grande do Sul, a partir do cruzamento de raças antigas trazidas por colonizadores, o ovelheiro gaúcho é conhecido por auxiliar a movimentação de tropas de gado e rebanho ovino. A raça acabou sendo moldada pela necessidade de trabalho rústico na região, como acompanhar o gaúcho no campo.
Kelpie australiano
Tem velocidade alta e vontade de trabalhar elevada, com instinto desenvolvido, o que dificulta a condução do animal no pastoreio de rebanhos. Originário da Austrália, precisa de um condutor habilidoso para conter o ímpeto veloz. É esguio, com pelo curto e orelhas eretas.
Boiadeiro australiano
Outra raça de origem australiana, mais robusta e de estrutura corporal forte, empregada no pastoreio de bovinos de corte.
Por ter muita coragem, é caracterizado por ser incisivo com o gado. Trabalha próximo ao seu condutor. Cão de estatura baixa e pelo curto, tem longevidade acima da média.
Maremano
De origem italiana, o pastor maremano tem aptidão para guardião de ovinos. A pelagem do cão é parecida com a das ovelhas, o que facilita a camuflagem em meio ao rebanho.
Com latido forte, o cachorro protege os animais de roubos e também do ataque de predadores. O cão pode também ser usado como guarda da propriedade, já que consegue fazer rondas de longas distâncias durante a noite.