Cachorros têm olfato tão apurado que são capazes de detectar bombas, odores cítricos, drogas e outros tipos de contrabando escondidos em bagagens ou bolsos. Será que eles conseguiriam farejar até mesmo o parasita da malária? Como isso poderia nos ajudar?
Um pequeno estudo piloto mostrou que cachorros são capazes de identificar meias infectadas pelo vírus da malária após terem sido usadas durante a noite por crianças – mesmo em casos leves, em que não há febre.
A pesquisa, resultado de uma colaboração entre cientistas britânicos, gambianos e a Medical Detection Dogs (instituição beneficente britânica que treina cachorros para detectar o odor de doenças em humanos), foi publicado semana passada na convenção anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene.
Por si só, tal habilidade não seria surpreendente. Desde 2004, cachorros têm sido capazes de constatar câncer de bexiga, a partir de amostras de urina; câncer de pulmão, por meio da respiração; e câncer de ovário, por amostras de sangue.
Cachorros adestrados já alertam donos diabéticos quando o nível de açúcar no sangue cai de forma alarmante e epiléticos prestes a convulsionar. Outros já estão sendo treinados para detectar a doença de Parkinson anos antes de os sintomas aparecerem.
Segundo os autores, entretanto, isso não significa que os animais substituirão laboratórios: testes rápidos e baratos de malária estão disponíveis no mercado há mais de uma década. Contudo, todos os anos, mais de 200 milhões de pessoas em dezenas de países são infectadas, e cachorros capazes de farejar a malária podem ser muito úteis para realizar triagens em grandes grupos.
Alguns países e regiões que eliminaram a doença recebem grande fluxo de pessoas de outros lugares que ainda não o conseguiram; África do Sul, Sri Lanka e a ilha Zanzibar, por exemplo, que não têm casos, recebem muitos visitantes de Moçambique, Índia e Tanzânia.
Cães poderão identificar também hospedeiros silenciosos em áreas prestes a eliminar a malária, ou seja, aquelas pessoas que não estão doentes, mas carregam os parasitas no sangue, que podem ser transmitidos a terceiros pelo mosquito.
O olfato dos cachorros é dez mil vezes mais sensível que o de humanos. Os cientistas ainda não estão cem por cento seguros do cheiro sentido pelos animais, mas sabem que os parasitas da doença produzem aldeídos voláteis, como os encontrados em perfumes. Essa habilidade evolutiva dos parasitas consiste em exalar compostos químicos aromáticos para atrair mosquitos e serem levados a novos hospedeiros. Estudos mostram que mosquitos preferem picar pessoas já infectadas pelo parasita da malária.
— Se houvesse apenas um componente químico que indicasse a presença de câncer ou malária, ele já teria sido descoberto; mas, na verdade, é um tom com muitas notas, e os cachorros são capazes de reconhecê-las — afirma Claire Guest, fundadora da Medical Detection Dogs em 2008 e coordenadora do treinamento de cachorros no estudo.
Ela complementa dizendo que a maioria das raças apresenta olfato bom, mas as que melhor desempenham a função são as de caça – pointer, spaniel e labrador – e aquelas com bom relacionamento com seus donos.
Os primeiros testes serviram apenas para provar que o reconhecimento era viável, explica Steve W. Lindsay, entomologista da Universidade Durham, na Inglaterra, que teve a ideia após ver um cachorro farejando bagagens no Aeroporto Internacional de Dulles, em Washington, em busca de alimentos contrabandeados.
O estudo preliminar treinou somente dois cachorros para cheirar uma sequência de potes com fragmentos de meias finas de náilon, que tinham sido usadas durante a noite por crianças gambianas. Quando Lexi, um labrador-retriever fêmea, e Sally, um labrador fêmea, reconheciam os odores, indicavam os recipientes.
A precisão das cadelas em identificar as meias das crianças infectadas não foi de apenas 70 por cento, mas de 90 por cento em não dar falsos positivos. De acordo com Lindsay, o acerto teria sido maior em outras circunstâncias.
— Algumas crianças, provavelmente, dividiram a cama com irmãos infectados; as meias deveriam ter sido guardadas no congelador por um ano, enquanto os cachorros seriam treinados e a estratégia do estudo aprovada. W.C. Fields costumava dizer: ‘Nunca trabalhe com crianças ou animais’, e aqui trabalhamos com ambos — afirmou Lindsay.
Uma preocupação de Lindsay era a de que os africanos muçulmanos – e há milhões deles – não aceitassem ser farejados por considerarem cachorros e sua saliva impuros. Mas o Alcorão autoriza cachorros de caça ou guarda; além disso, após discutir o assunto com os imames (sacerdotes muçulmanos) do país, decidiram vestir os animais com os coletes vermelhos da Medical Detection.
— Depois de termos explicado o que estávamos fazendo, as pessoas aceitaram bem —afirmou.
Ao ser perguntado sobre a possibilidade de treinar animais menores, mais baratos ou locais – ratos gigantes africanos, por exemplo, têm sido usados para detectar minas terrestres e tuberculose –, Lindsay diz que “provavelmente daria certo, mas acho que as pessoas preferem ver cachorros circulando a ratos.”
Por Donald G. McNeil Jr.