Luck, Maya, Basco, Gajo, Naga. Estes podem não ser nomes de policiais militares, mas, pelas quatro patas de cada um deles, passa parte da eficiência da instituição. O grupo faz parte do Canil da Brigada Militar em Porto Alegre, ligado ao 1º Batalhão de Operações Especiais (BOE) e que conta com 30 cães, sendo cinco filhotes em treinamento.
Quem circula por Porto Alegre nem sempre presta atenção ao passar por um policial militar ou uma viatura fazendo o policiamento ostensivo. Mas se um cachorro estiver acompanhando os PMs, a possibilidade de serem notados é maior. Geralmente das raças pastor belga malinois, pastor alemão, labrador ou rottweiler, os cães da Brigada Militar destacam-se pelo porte, beleza e obediência. Engana-se quem pensa que eles precisam ser agressivos para fazer parte do time:
– O segredo de um cão de polícia é ser equilibrado. Ele não pode ser covarde, extremamente agressivo ou brincalhão – explica o sargento Evaldo Dorneles da Silva, que reassume o comando do canil nos próximos dias.
– Em uma abordagem, é o cão que faz a segurança. Ele sabe que, dependendo da situação, tem que estar em estado de alerta e pronto para agir, porque o abordado pode estar armado ou querendo fugir. Precisa ter o potencial de uma postura agressiva – completa Silva.
Os animais chegam ao Canil da BM ainda filhotes, na maioria das vezes, por meio de doações da população ou dos próprios policiais, que levam os bichinhos que consideram mais aptos. Nos primeiros seis meses de vida, moram com o policial que vai ser seu adestrador por toda a vida. Também aprendem as ações certas e erradas. Depois, vão para o canil, onde, dependendo da aptidão, são classificados em duas funções: cão de patrulha (atua em policiamento, presídios e estádios) e cão de faro (trabalha para farejar drogas ou explosivos).
A capacidade olfativa do cão é tão alta que ele demora cerca de 15 minutos para fazer uma varredura em um anfiteatro, enquanto um grupo de policiais demoraria uma hora. No currículo dos cães farejadores da BM, estão o trabalho em shows como The Rolling Stones, Paul McCartney e Shakira, além de eventos da Copa do Mundo em Porto Alegre.
Rotina de treinos e ciúme entre os treinadores
A pequena Naga, de apenas sete meses, da raça pastor belga malinois, destaca-se pela beleza, disposição e foco. Enquanto a reportagem de GaúchaZH acompanhava seu treinamento, ela não tirou os olhos dos repórteres até então desconhecidos, reagindo atentamente a cada clique da câmera fotográfica. Ela é uma das apostas do canil para os próximos meses:
– Percebam que ele (o fotógrafo de GaúchaZH) está se mexendo, e a cadela já está ligadíssima nele. A qualquer alteração no terreno, o cão desperta, ele é enérgico, está sempre ligado no 220. Ela demonstra aptidão para ser tanto de patrulha quanto de faro de entorpecentes. Mas é claro que um cão tem que ter maturidade e responsabilidade. Como filhote em treinamento, ela vai brincar um pouco e, daqui a pouco, dispersa. Um cão mais maduro é mais comportado, focado – explica o instrutor de Naga, o soldado Luís Eugênio Goulart.
No treinamento acompanhado por GaúchaZH, os cães precisaram saltar obstáculos que imitam a vida real, como cercas, muros e até um prédio em chamas – para a simulação deste, os policiais usaram um círculo de fogo. Naga e a já experiente Maia, oito anos, ainda foram submetidas a mais um teste: simular a busca de entorpecentes na rua e dentro de uma sala de aula, respectivamente. As duas acharam os pacotes em menos de um minuto e foram recompensadas com os brinquedos favoritos.
– Tudo tem uma técnica, um controle. A gente tem que estar tranquilo psicologicamente para passar isso para o cão. Também estamos sempre nos atualizando, vendo vídeos, para manter o alto nível do treinamento – conta o treinador da Maia e do Luck, o sargento Narciso Correa.
Durante o treinamento com obstáculos, uma surpresa: Naga e Luck abandonaram temporariamente o salto de obstáculos para brincar, o que é considerado normal pelos policiais, já que estão em fase de treinamento. O único que parecia não dar atenção à brincadeira era o pastor alemão Gajo, cinco anos. Seguia todas as etapas do treinamento normalmente, sem dar atenção aos filhotes.
– É a diferença entre um cachorro experiente e um cachorro que ainda está sendo ensinado. O Gajo já está acostumado ao treinamento e à patrulha – explica seu instrutor, soldado Wesley Bueno.
Atualmente, 20 policiais trabalham no canil, dividindo-se entre os cuidados com os cães e o apoio ao policiamento. Os treinamentos são diários, e as ações, definidas de acordo com a necessidade da corporação. A atuação ocorre principalmente em Porto Alegre, no policiamento de rotina ou em ações específicas, mas o grupo pode ser chamado para outros pontos do Estado.
Os policiais são chamados de cinotécnicos porque lidam com a cinotecnia, que é a ciência que estuda o comportamento dos cães. Os especialistas dizem que o cachorro sempre dá sua capacidade máxima somente com o instrutor principal, o que garante eficiência na rua e nas abordagens:
– Os treinadores estabelecem uma relação afetiva com os cães. Os cachorros são essenciais na medida em que dão uma resposta extremamente diferenciada. O binômio homem-cão é muito melhor do que só o homem. Nessas atividades de maior tensão, em que temos intervenções prisionais, o cão é o guardião do policial. A qualquer sinal de reação, ele atua – destaca o comandante do BOE, tenente-coronel Cláudio dos Santos Feoli.
A relação intensa entre cão e policial faz com que muitos sintam ciúme dos animais, levando os cachorros consigo inclusive quando saem de férias.
– Cada policial fica com o seu cão. Todo mundo é ciumento, ninguém empresta o cão para ninguém, porque é briga na certa. Você cria uma relação de ciúme, uma parceria muito grande. Quando eu tiro férias, os meus vão para casa comigo e até para a praia. Comprei uma caminhonete só para levar os dois – diverte-se Dorneles, que trabalha com os cães Basco, um rottweiler, e Maya, da raça pastor alemão.
Aposentadoria com os parceiros de trabalho
A vida ativa de um cão na Brigada Militar varia, em média, de oito a 10 anos, dependendo do comportamento e estado de saúde do animal. Quando eles vão ficando mais velhos, começam a não dar a mesma resposta, e o canil decide que eles devem se aposentar.
Na maior parte das vezes, o cão fica com o treinador que o instruiu a vida toda. Foi o caso da Easy, cachorra da raça Australian Cattle Dog, que entrou como farejadora de explosivos em 2010, aos dois anos. Sete anos depois, aos nove, ela foi ficando mais lenta, no limite: foi quando seu instrutor, sargento Gustavo Cabreira, percebeu que ela deveria sair de cena:
– A gente tem este padrão. É um cultura que foi se criando no canil: o condutor leva para casa, como prêmio para o cão e para o policial. Quando vi que ela estava no limite, comecei a me organizar em casa, mesmo tendo outros cachorros. Foi a terceira que eu peguei depois da aposentadoria. A gente vai criando um vínculo, um amor muito forte e não admite não dar um jeito de ele encerrar a vida sem ficar próxima a nós.
Nos casos em que os instrutores ou algum colega não podem ficar com o cão, eles são colocados para adoção. O candidato passa por análise pela equipe do canil, que monitora os cuidados. Quem quiser pode se inscrever diretamente no canil, entre 13h e 19h, na Rua Capitão André Lago Páris, 150, bairro Coronel Aparício Borges, em Porto Alegre. Mas o rottweiler Basco não irá para adoção. O comandante Dorneles já definiu:
– O meu rottweiler Basco já está com sete anos. Daqui a alguns anos, quando não puder mais trabalhar, vai embora comigo.